“Pele Negra, Grifes Brancas”: Virgil Abloh e o rasgar das vestes
Por Hélio Rainho
"Polímata".
Do grego πολυμαθής, transliterado polymathēs; "aquele que aprendeu muito", "pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área".
Termo em desuso?!
O termo, talvez; não o personagem.
Nascido no Illinois, irrompido americano de matriz ganense de pai e mãe: mais afro-americano, literalmente impossível! O gênio insurgente só tinha das mãos da mãe costureira a fagulha da arte que, um dia, o levaria a atear fogo nas catedrais do estilo, nas passarelas: o fogo da revolução! Visionários enxergam não exatamente o mundo lá na frente, mas o mundo que eles mesmos irão construir e projetar!
Virgil Abloh – engenheiro e arquiteto de formação – entendeu e expandiu o real sentido das palavras "construir' e "projetar". Enxergou as roupas como totens de identidade, projetou o design de moda como uma ferramenta de encantaria capaz não apenas de cobrir os corpos, mas de desnudar as almas, vitrinizar seres viventes, conectar dimensões! Riscou e rabiscou os traços do fashionismo como um Basquiat da moda, conectando a cultura das ruas ao alto padrão das grifes de luxo. Assim como o pintor que não era apenas pintor, Abloh não era apenas estilista – definia-se como "criador".
Criou, recriou e "descriou". Inventou desinventando. Razão pela qual foi alavancado de estilista das roupas masculinas da poderosa Louis Vuitton a diretor criativo do conglomerado de 75 marcas do grupo LVMH. O negro mais poderoso da história da moda em todos os tempos!
O skate, o hip hop, a batida dos DJs, a cultura negra dos bairros pobres: tudo reverberava na arte do esteta, que chacoalhou a estagnação da moda no novo século com porções generosas de descontinuidade, jogando o Brooklyn (olha Basquiat aí de novo!) dentro de Paris, o capuz nos trajes de gala, o camuflado nos figurinos festivos, o grafite na joalheria…um caldeirão antropofágico onde foi capaz de misturar Nike, Rihanna, Levi's, Kanye West, Jimmy Choo, Beyoncé, Louis Vuitton, Kim Kardashian, sua legendária marca Off-White…e um séquito de seguidores/admiradores dessa especie de deus humano negro do metaverso da moda!
Muito embora houvesse nele a efígie da festa e a epifania da celebração, o que Virgil também representava era a denúncia, o abismo, a indignação. Olhar para ele como o grande mediador de dois mundos significava justamente isto: que havia dois mundos, que havia divisão. Algo que ele ludicamente transubstanciava na alquimia das formas, das cores, das roupas, dos sneakers, mas fundamentalmente da mensagem que transmitia quando recriava tudo a seu redor. Indignava-se celebrando, no preciosismo das roupas, um simbólico rasgar de vestes, como no legado judaico onde se manifestava a grande angústia com o retrato deste mundo em que se vive.
Global. Digital. Elemental.
Virgil Abloh foi uma força da natureza que, subitamente, desabrochou, reverberou e silenciou.
"Tudo o que faço é pela versão de mim mesmo aos 17 anos", declarou o polímata.
Termo em desuso?!
O termo, talvez; não o personagem.
Este mundo não esquecerá aquele que pretendeu – como se fora um discípulo de Franz Fanon saído da obra clássica Pele Negra, Máscaras Brancas – manifestar sua criticidade à opressão às identidades negras, as quais ele reiterava reinantes como a dele próprio. Abloh inverteu a polaridade: nele não eram as roupas que vestiam as peles; antes as peles negras é que vestiam (revestiam) as grifes brancas!
A ultima cena da transmissão do último desfile preparado por Virgil Abloh para a Louis Vuitton trazia uma inscrição em forma de epitáfio. "Virgil estava aqui".
Nem precisava dizer.
O mundo sabe e tem plena consciência disso…nada mais será igual…afinal, "Virgil estava aqui"!
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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