Sobre o método nas Ciências Sociais (II)
Por Bernardo Buarque de Hollanda
A relação entre teoria e observação possui diferentes matizes interpretativos. Antes, porém, é preciso definir o que se entende por cada conceito. Em ciência, denomina-se teoria um conjunto de fenômenos do qual se tem um modelo explicativo considerado verdadeiro. Em tal modelo há hipóteses sistematicamente ordenadas que são submetidas à confirmação ou correção e que pretendem tornar a realidade inteligível. Já a observação significa o exame atento e minucioso de fatos, ambientes, situações, pessoas, grupos sociais e/ou instituições.
A primeira ideia que surgiu dessa relação consiste na teoria como resultado de uma série de procedimentos observacionais. Nas ciências da natureza, da física e da vida, o ato de observar, que deveria em princípio ser isento de valores ou o mais equidistante possível, permitiria a um cientista chegar a leis, inferências e generalizações, por meio do mecanismo de indução. Portanto, o homem poderia alcançar todas as teorias sobre o mundo, apenas submetendo-se à observação do meio.
A outra concepção existente a respeito da relação entre estas duas categorias se opõe à anterior. A oposição se dá pelo fato de que estou outro tipo de pensamento não acredita que seja possível subordinar totalmente a teoria à observação, mesmo que este seja o objetivo. Existe o entendimento de que a ciência está envolvida por valores dos quais o pesquisador não consegue afastar-se.
Primeiramente, o ato de observar necessita focalizar um objeto. Por via de consequência, a escolha de algo específico será sempre determinado por uma predisposição pessoal daquele que a realiza, de ordem psicológica, cultural, entre outras variantes. Esta corrente de pensamento afirma que toda observação ocorre à luz de uma teoria, sendo esta entendida em seu sentido mais amplo. Um outro fato confirmador da impossibilidade de uma observação imune a valores é a percepção de diferentes aspectos em um mesmo objeto que diferentes cientistas podem constatar.
O debate assinalado acima ganha outros contornos nas ciências sociais, já que seu objeto se ocupa da interface entre indivíduo e sociedade. A sociologia principia a abordar essa relação ainda no século XIX, tendo por referência analogias decalcadas do universo da biologia. Sob a ótica durkheimiana, a sociedade constitui um todo, semelhante à estrutura de funcionamento do corpo humano e seu organismo interdependente. Os órgãos são subdivisões cujas partes desempenham funções específicas. Analogicamente, os indivíduos reúnem-se em grupos e estes são constitutivos da totalidade social.
Antes mesmo de Durkheim, havia aqueles teóricos que analisavam a relação entre a sociedade e os indivíduos como resultado de um contrato social estabelecido pelos últimos. Cada pessoa que vivia em separado une-se a outras, por diversas razões que convergem para a subsistência da própria vida, e passa a ter responsabilidades para com o todo que se constitui.
A Sociologia vai contribuir para esta vinculação, mediante a introdução da categoria denominada grupo social. Servindo como intermédio na vinculação entre o indivíduo e a sociedade, a unidade grupal seria uma variante que influenciaria as ações, os sentimentos e os pensamentos das pessoas, segmentando-as e determinando a maneira de relacionarem-se com a coletividade que os encompassa.
Há, também, outras formas de conceber a díade coletivo-indivíduo para fins metodológicos. Uma delas, de evidente cariz durkheimiano, é a concepção de que o social é exterior e independente dos seres humanos e não seja uma mera soma das partes que a integra. A moral e os valores culturais são preexistentes. Estes se impõem e moldam a personalidade por meio da educação, entre outras instâncias socializadoras.
Em contraste a essa visão, existem dois tipos de pensamento. O primeiro é individualista e refuta a ideia de uma entidade abstrata superior ao ser humano. Só ele, ser consciente, é capaz de determinar sua vida. Outra posição, mais ponderada, é a que tenta ser intermediária às visões extremas. Sob tal ótica, o homem sofre condicionamentos pela vida em sociedade, mas também tem a possibilidade de modificar certas regras que deseja.
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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