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GV CULT - Criatividade e Cultura

Sobre o método nas Ciências Sociais (I)

GvCult - Uol

08/12/2020 06h09

Claude Lévi-Strauss, em 2001.
Joel Robine – AFP/Getty Images

Por Bernardo Buarque de Hollanda

A ciência tem suas propriedades e seu sistema de linguagem próprio, diferenciado da arte e da filosofia na compreensão da realidade. A palavra "ciência" propriamente dita só começa a ser empregada há cerca de duzentos anos atrás. Newton, por exemplo, não a utilizava. Antes mesmo do advento do racionalismo de Descartes (1596-1650), com seu discurso sobre o método, Francis Bacon (1561-1626) foi um dos primeiros a propugnar o rompimento com as correntes filosóficas e a delinear os princípios da observação científica: "Para entender a natureza, você tem de obedecê-la". A ciência se dedica, pois, a rigorosas e meticulosas observações. Enquanto a filosofia especula, a ciência observa.

Observação em Bacon, o pai da ciência experimental no século XVII, quer dizer o registro e a descrição de fatos particulares observáveis. Por meio de induções sucessivas, chega-se a enunciados de generalidade crescente. Com efeito, o autor inglês se contrapõe a Aristóteles e ao seu livro "Organon", que propunha a lógica dedutiva como constitutiva do conhecimento. Em contraponto, ao escrever "Novum organon", Bacon funda a via indutiva do saber. A indução, por meio da ciência, é a busca do conhecimento universal, bem como do domínio progressivo da natureza.

No século XIX, os postulados de Bacon acerca da indução ganhariam corpo na obra de Augusto Comte, em que a ciência teria, ela própria, uma teoria, a que se chamaria de epistemologia. Em paralelo, a transformação da realidade passa no século XIX do campo natural para o campo social, naquela altura em contínua mudança. Em Comte, isto aparece sob a forma de uma palavra, sociologia, que na primeira metade do Oitocentos significa "engenharia" ou "física" social. O pontífice do positivismo entende que a sociedade é um objeto a ser edificado e a sociologia é a forma de conhecimento capaz de operar esse projeto edificante de vida coletiva.

Junto à dedução aristotélica, à indução baconiana e ao positivismo comteano, o século XX acresce a intuição. Para Karl Popper (1902-1994), a hipótese não é realizável, como queria Bacon, pela observação passiva da realidade e sim por meio da intuição criativa do observador. O empirismo lógico propõe a diferenciação entre enunciados suscetíveis e não-suscetíveis, ao menos em princípio, de verificação.

Popper entende que os critérios da ciência, sua cientificidade, dependem primeiro da sua condição de verificabilidade. Em segundo lugar, atrelam-se ao fato de ser o fenômeno em questão falsificável, isto é, testado como falso ou verdadeiro. Já para o filósofo alemão Rudolf Carnap (1891-1970), cientificidade quer dizer confirmabilidade. Diante de um grau de confirmação, existe um número de casos dados, que são possivelmente confirmáveis. Num resumo esquemático, pode-se dizer que predominam duas correntes de observação dos fatos: a primeira, pura e neutra, até o século XIX; e a segunda, com observações feitas à luz de uma única teoria, a partir do século XX.

A complexificação do debate tem novo capítulo ainda no século passado, com a obra do austríaco Paul Feyerabend (1924-1994). Em sua nova filosofia da ciência, posiciona-se contra o método ou, dito de outro modo, a favor da anarquia epistemológica. Feyerabend questiona a existência da neutralidade científica e critica o apego – ou "crença" – de um cientista a uma única teoria, descartando as demais formas de enxergar a realidade circundante e limitando a apreensão da imensidão dos fatos. Assim, ao lado da dedução, da indução e da intuição, propõe-se aqui a invenção como método da visão perceptual da realidade.

A ciência torna-se, pois, a experiência subordinada à criatividade. A imaginação é parte constitutiva da filosofia, da arte, da mitologia, da religião e, por conseguinte, da ciência também. O impasse para a verificabilidade a partir dos anos 1930 concerne ao fato de que o universal categórico da ciência já não pode ser atendido pelo critério da verificação. Isto ocorre na medida em que o contrário de um fato é sempre possível: "tente de novo; fracasse de novo; fracasse melhor".

Todo esse debate se translado para o entendimento do método nas Ciências Sociais. Nele, existem diversas escolas de pensamento, concorrentes entre si. Há autores e grupos de sociólogos com teorias distintas, cada qual com uma concepção determinada do mundo social e do indivíduo que nele vive. No entanto, se quisermos esquematizar a discussão sobre o método científico no campo sociológico, podemos dividi-lo em duas correntes teóricas. Grosso modo, elas se denominam naturalística e anti-naturalística.

A primeira preconiza a adoção da metodologia utilizada nas Ciências Naturais, enquanto a segunda não acredita que o método empregado tanto na física quanto na biologia seja factível para a sociologia, e reivindica um procedimento próprio para as Ciências Sociais. Tal divisão epistemológica atravessa a história das Ciências Sociais. Dois filósofos da ciência, Thomas Kuhn (1922-1996) e Karl Popper, este último acima citado, têm uma crítica a esta polarização na Antropologia e na Sociologia. Kuhn afirma que tal situação já se passou nas Ciências Naturais, dividida numa miríade de correntes que digladiavam entre si.

Por fim, em sua conclusão melancólica, dizia que os cientistas sociais acabavam por não fazer ciência propriamente dita. Havia carência de uma estrutura para que se realizasse a "revolução científica". A inexistência de um consenso no paradigma sociológico, para o cientista estadunidense, significa que as Ciências Sociais ainda se encontram na sua fase pré-científica. Já Popper compreende que a discussão no interior destas está mal colocada. Para corroborar tal afirmativa, o vienense baseia-se no fato de que as mesmas ainda não entenderam com justeza a função precípua das Ciências Naturais, em específico aquele prevalente na Física.

À parte as críticas vindas de "fora" do campo, pode-se dizer que duas orientações clássicas orientaram a área: uma que preconiza a "explicação", sustentada por Émile Durkheim (1858-1917), e outra que assenta na "compreensão", amparada em Max Weber (1864-1920). A busca de um significado para a ação social se divide entre adeptos da objetividade vis-à-vis da subjetividade. Ao tratar da ordem social, trata-se de saber quem predomina: o coletivo ou o individual?

Continuaremos a tratar disso no próximo texto da coluna.

Edição Final: Guilherme Mazzeo

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.