Frio psicológico – por Vítor Steinberg
Por Vítor Steinberg
Algumas teorias e presunções foram canceladas graças à pandemia? Concordo com uns filósofos moderninhos ao dizerem: "acreditar nas mudanças de certos comportamentos humanos por causa da pandemia é romantismo". No entanto, no atual método de embrutecimento da alma, algumas bobagens foram esquecidas. Não se diz mais. Ou talvez, sinta-se vergonha de dizer. Quem sabe o processo não seja só embrutecimento, mas envergonhar-se de muita coisa. Como dizer que o frio é psicológico.
Umas bobagens foram naturalmente esquecidas, não precisou do esforço de uma campanha de cancelamento.
E o Prêmio Ignóbel da Paz vai para…
É sempre bom lembrar que se o frio fosse psicológico, não teríamos tempo e dinheiro para fazer yoga e meditar até atingir a iluminação transcendental do calor autossustentado. Então qual é a problemática?
Quando os espanhóis chegaram no México, os Maias repetiam a palavra Yucatán, ou seja: "não estamos entendendo o que vocês estão falando". Por essas e outras, os espanhóis achavam tratar de uma palavra bendita e denominaram a cidade de Yucatán.
A incomunicabilidade do mundo é mais longeva do que se pensa. Outro exemplo, muito antigo: a grosseira pelugem no rosto masculino do povo do Norte foi nomeada pelos romanos de "barba", porque pertence aos bárbaros. Passando para hoje, é uma exigência nas descrições dos fetiches de mulheres solteiras em aplicativos de relacionamento.
A incomunicabilidade não é queixa de crítico, é uma constatação óbvia. E mesmo assim há tanto a dizer.
Podemos praticar o exercício da listagem, para nos assegurar de críticas e compromissos – e o cérebero ser recompensado com a dopamina do check. Há um livro, incrível, que mostra várias listas lendárias, a começar pela mais antiga, de legumes numa feira orgânica da Mesopotâmia até chegar a um Manual de Conduta do Cowboy.
Deixo aqui alguns números da interessante lista de ítens essenciais de Jack Kerouac, transcritas de seu livro Crença e Técnica para a Prosa Moderna (1958):
2 – Esteja submisso a tudo, aberto, escutando;
10 – Hora de poesia é exatamente a hora que é;
14 – Como Proust, seja um velho viciado em tempo;
19 e 20 – Aceite a perda e acredite no contorno da vida;
21 – Esforce-se para registrar o fluxo que já existe inato na mente;
28 – Componha loucamente, sem disciplina, puramente, saindo de dentro, quanto mais louco melhor;
30 – Roteirista-Diretor de filmes Terrestres Patrocinados & Angelizados no Céu.
Em work-in-progress, modestamente tenho esta, que segue:
1- Mire poesia visual e sonoridades profícuas;
2- Ame bem e perdoe-se por tudo, mesmo;
3- Desintoxique-se do romantismo da dinâmica do casal, não reserve filmes, lugares e músicas para usufriur somente com uma paixão;
4- Saia das narrativas sociais com elegância;
5- Invente micropolíticas e microperformances;
6- Ressignifique o ego e bote o ego pra trabalhar;
7- Tenha aliados que sustentem a narrativa afetiva e sustentem com você a narrativa afetiva;
8- Transmita conteúdos com responsabilidade;
9- Está liberado e é mais bacana ser estúpido. Resista contra a imbecilidade, a ignorância é a origem do mal;
10- Sou legal, não estou dando mole;
11- Todo inculto procura desqualificar a qualquer custo o culto. (Tome muito cuidado com isso, até com seus melhores amigos). Parece muito fácil destruir finesse com brucutudade, mas não é;
12- Faça um retiro espiritual se um dia você usar uma carteirada: "Estar à altura…" "Quem você pensa que é?" "Você sabe com quem está falando?"
13- Vírus não tem agenda, o mundo não vai ficar melhor ano que vem, isso é reveillón da Globo;
14- Liberais são muito facilmente ofendidos;
15- Desmanche de like não é sintoma de perda da amizade;
16- 77% dos filmes disponíveis na Netflix são produções dos últimos 11 anos. É o mesmo tempo que redes sociais foram disponibilizadas em telefones celulares. O que será dos clássicos?
17- Aprenda todos os dias. Abrir e selar portais;
18- Tampe os ouvidos ao alarmismo coletivo por "acordar", cair na real;
Enquanto não se contrata uma empresa privada para ionizar nuvens na Cantareira, pessoalmente não acho que o cinema é um despertador, mas o contrário, um ópio finíssimo das arábias – uma paisagem repleta de névoa, para estimular o sonho.
Cinema seria máquina de sonhar, não de despertar. Vejo muitos trabalhos feitos para "cair na real", de forma até violenta. Limites dos atores, limite dos movimentos de câmera.
O cinema ficou catequisado, passando vergonhinha?
O.K.
19- Não fala O.K. Significa Zero Killed.
20- Jean-Claude Van Damme, apesar da sonoridade embutida em seu nome (e uns escreverem Van Daime) não é Ayahuasqueiro, nem o padroeiro do Santo Daime.
Instagram do autor @steinberg__
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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