Fim dos Tempos
Por Vítor Steinberg
Incoerência, originalidade e roteiro desconstruidão ressignificam "Fim dos Tempos" – The Happening (2008, M. Night Shyamalan) como um ótimo filme.
Há doze anos atrás, pouquíssimo tempo assim, não entenderíamos mesmo este filme. Incluso, foi taxado como ridículo. Por toda a internet, IMDB ou Google, as notas do público são vexatórias. Roteiro vago, personagens mal definidos, continuidade duvidosa. Mais que isso, do figurante aos personagens principais, todo ser humano que se preze é um bando de bunda-mole, todo mundo é um bando de idiota!
O professor protagonista é mais sensato. E, ainda bem, está longe de ser um Millenial fofo. Simplão e tentando fazer de tudo para a vida fazer algum sentido, nos perturba porque no fundo sabemos que ele não sabe qual é a verdade. Protótipo de 2020? Ele age, mas não sabe o que está fazendo. Calma. É diferente de um um miliciano pit-boy ignóbil, é um sujeito com fé na ciência. Ele tem fé na história, tem fé nas leis da física. Até como professor de biologia em ensino médio. Isso, na verdade, é maestria de suspense e construção de personagem. O que não o torna um relativista conspiratório da pior laia. Não tem nada de estúpido no roteiro.
São todos os homens que são vistos – quase numa visão alienígena – como verdadeiros idiotas. Público e crítica detestaram na época… Nosso orgulho falava mais alto há doze anos atrás…
Em geral há uma fixação pelo tema de zumbis nos roteiros de filmes e séries. Afinal, nada mais relaxante do que matar quem já morreu. Que culpa você sentiria? Os mortos-vivos são ameaças ao vivos, então dane-se qualquer humanidade. Se não são zumbis, substitui-se a dolosos ufo's e extraterrestres. Antagonistas, ameaças ao homem e principalmente ao homem vivo, quase sempre são seres que não existem, para os filmes se safarem da culpinha misantropa. Fim dos Tempos fica distante desse determinismo narrativo, perturba porque tudo é vago, as respostas são vagas e os homens uns paspalhos brutos e non sense.
Nesse sentido, Fim dos Tempos poderia ter sido visto como um mau filme por isso mesmo. Onde está o inimigo? E o vilão? Qual é a ameaça central? Ninguém sabe, ninguém vê… pólen, vento… Ódio ambiental? Suicídio coletivo sem explicação? Em determinado momento, por que a senhora solitária em casa odeia tudo, tanto? Que ódio gratuito é esse, em que ela range os dentes de tanta raiva? A boca espuma de ódio. Reconhece algo semelhante?
Mais interessante ainda é o filme ser praticamente todo à luz do dia, bem colorido e em campo aberto. Se você reparar bem, um suspense com luz brilhante, sem se preocupar em sujar o clima com cenas noturnas e recortes manjados, deixa um mistério mais esquisito e ainda sim muito atraente. A coisa toda está em toda parte! O perigo é o ambiente, o meio-ambiente. O ar, a poluição, a fata de localização, nenhum GPS dá conta de medir um planeta sem sentido. É nosso próprio oxigênio, a natureza. É um temor orgânico, o fim do tempo-espaço, não somente dos tempos.
Aí ninguém mais acredita no que ninguém fala. Pior que teoria do caos ou seja lá qual for conspiração de butequim, o relativismo (não confundir com Einstein!) gera aberrações como hoje temos os terraplanistas. É jogar, por puro vandalismo e burrice, uma biblioteca inteira na fogueira. Vemos isso em O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Muito melhor botar tudo em dúvida e deixar todo mundo ser um idiota cognitivo do que entender um assunto profundamente. A superficialidade do ar é mais a cara o inimigo do que a fotossíntese – muito criticam esta característica no filme. Não é das plantas que se trata!
Na intimidade do relacionamento do Mark Wahlberg com a Zooey Deschanel, com inteligência e até transparência, é incômodo ver que o casal está junto só por conveniência. É um terreno estranho no cinema, porque os humaniza demais. São medíocres e não sabem o que fazer com a vida. Como nós. Não se amam de verdade. Estão juntos porque são dois covardes apavorados com a solidão. A "filha" emprestada (ideia da urgência da adoção?) que o destino entregou para eles, passa a todo tempo seu inocente medo equivalente ao escolhido medo do casal adulto. Eles não sabem muito o que fazer com a adolescente, mas seguem em frente. Porque parece que faz sentido! Num determinado momento, uma parede os separam e não se sabe se aí chegou o momento do divórcio. Aquele triste portão da garagem fechado entre o casal do Marriage Story (2019, Noah Baumbach). O medo vence de novo. Angustiante e vertiginoso, como nossos tempos.
Filme realizado antes, massacrado na recepção, esquecido, e agora, sumidouro do espelho do novo normal.
Outra sugestão imperdível de um trabalho profético é Perfect Sense (2011, David Mackenzie) – uma criativa história de pandemia em que os seres humanos vão perdendo os sentidos – e uma surpreendente reação antes do paladar desaparecer.
Instagram do autor – steinberg__
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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