Novos capítulos de história colonial (I)
Por Bernardo Buarque de Hollanda
Em 1907, o extraordinário historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927) publicou o livro Capítulos de história colonial, um marco na renovação da historiografia dedicada ao período do Brasil-colônia, até então dominada por correntes positivistas de enquadramento histórico, sobretudo aquela capitaneada por Francisco Adolfo de Varnhagen em História geral do Brasil (1857).
Inspirado no título do admirável livro de Capistrano, vamos nessa série abordar pontualmente estudos consagrados aos primeiros séculos de colonização do território brasileiro, de modo a dar a conhecer autores que também renovaram nas últimas décadas o entendimento historiográfico dessa fase tão importante, com mais de trezentos anos de duração.
O primeiro autor que selecionamos é o professor estadunidense Stuart B. Schwartz, pesquisador brasilianista, que em 2011 publicou Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e seus desembargadores (1609-1751). O oitavo capítulo, um de seus mais sugestivos, intitula-se "Magistratura e sociedade". Embora circunscreva-se a um determinado espaço temporal – início do século XVII e meados do século XVIII – e a uma específica região nordestina, a capital baiana, o texto indica tema que amplificam a discussão a uma esfera macro da formação histórica brasileira.
Grosso modo, o estudo empreendido por Schwartz gira em torno da inserção dos magistrados no contexto da sociedade colonial e os consequentes desdobramentos de suas relações com a elite econômica da região, em sua maioria composta por senhores de engenho. O alvo principal da argumentação do brasilianista consiste na demonstração da incongruência entre o objetivo da Coroa – a desejar uma magistratura implementadora da ordem e a se posicionar à parte da sociedade – e sua real configuração: desembargadores que, de maneira "ritualizada" ou não, integravam-se à elite açucareira com vistas a fins pecuniários.
Tal fato, que se amparava em uma reciprocidade de interesses, dava ensejo ao desvirtuamento do próprio sentido da lei, adequando-a a uma realidade por assim dizer mais "flexível".
A nosso ver, salta à vista no texto a observação de que os meios utilizados pelos três grupos de interesse conjugados na época – o governo real, os magistrados e os colonizadores canavieiros – evidenciam o caráter e os valores vigentes no contrato colonial. Os grupos dirigentes, em situações distintas, valem-se de associações como status, matrimônio, parentesco e poder, a fim de obter ascensão social e econômica.
Logo, a família deixa de constituir a unidade de reprodução da sociedade para transformar-se em centro de interesses e negócios, assim como a lei não representa a Justiça, mas a principal instância das adaptações e convenções dos determinados grupos a que fizemos menção.
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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