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GV CULT - Criatividade e Cultura

As Cidades Européias na Época Moderna (I)

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04/04/2017 06h32

Por    Bernardo Buarque de Hollanda

Londres, a propósito, contava quase seiscentos mil habitantes, ultrapassando Paris com 530 mil.

Segundo o historiador francês Bernard Vogler, a Europa de 1700 possuía dois agrupamentos urbanos principais: Flandres e o norte da Itália, este último acompanhado por índices de urbanização importantes. Na Europa central e oriental, em razão da presença germânica na direção leste, é possível assinalar a existência de um número elevado de grandes cidades – Praga, Viena, Breslau, Moscou, Belgrado –, com pelo menos mais de quarenta mil habitantes. No extremo oposto, nas ilhas britânicas e na Escandinávia, a rede urbana encontrava-se ainda pouco desenvolvida, à exceção de Londres, Dublin, Estocolmo e Copenhague.

Londres, a propósito, contava quase seiscentos mil habitantes, ultrapassando Paris com 530 mil. A terceira cidade europeia é Nápoles, com cerca de trezentos mil habitantes, seguida de várias cidades italianas com uma população em torno de cem mil, como Veneza, Milão, Roma e Palermo, todas cidades importantes do ponto de vista econômico. Sublinhem-se ainda cidades holandesas como Amsterdã, Leiden, Roterdã, Haarlem, Haia e Delft que, juntas, somam mais de quatrocentos mil habitantes, o que põe em evidência o importante papel urbano-comercial ocupado pelas Províncias Unidas à época.

As estruturas sociais, muito variáveis segundo as cidades e suas funções, se caracterizam por uma dupla natureza. Uma estrutura vertical, que tende a se diluir do topo à base, reúne os ofícios e as diversas corporações de trabalhadores, nos quais cada uma mantém seus próprios ritos, suas reuniões e suas festividades, que favorecem uma forte endogamia.

Na estrutura horizontal, existe uma divisão tripartite fundamental, que tende a se reforçar no decorrer do século. No topo, uma oligarquia urbana, principalmente composta de proprietários de terras, de negociantes e de oficiais, que constitui em geral menos de 10% da população. Esta minoria oligárquica é às vezes enfraquecida por rivalidades internas, como aquelas que dividiram negociantes na cidade portuária de Bordeaux, no sudoeste da França. Esta oligarquia obtém seus dividendos, domina o mundo intelectual e artístico e participa, por extensão, do poder real. Nas cidades parlamentares, o meio judiciário, que constitui entre 7 e 8% da população, detém entre um terço e a metade da riqueza.

Já as classes médias são representadas pelo artesanato e pelo pequeno comércio, enquanto os estratos inferiores, compostos por diaristas, empregados domésticos – muito numerosos e com frequência solteiros – e pobres, representando às vezes 50% da população. Estes se submetem ao subemprego, que atinge de 25 a 50% da dependência econômica, tendo de confrontar-se ainda às incertezas do futuro.

Segundo Vogler, esse é o quadro mais geral político-econômica que estrutura a sociedade urbana europeia do Ancien Régime. Numa palavra de síntese, o século XVII conhece uma consolidação da oligarquia – a despeito da crise aristocrática britânica estudada por Lawrence Stone (1965) –, um enfraquecimento da plebe e uma fragilização da classe média, sendo esta duramente atingida pelo incremento do fisco, levado a cabo pelo ministro francês, o Cardinal de Richelieu nos anos 1630. Em virtude disto, a tensão se acirra e as insurreições urbanas tornam-se numerosas. Face à pauperização, várias cidades colocam em prática o cercamento dos pobres, com êxitos diversos: trata-se de uma ação tripla, com vistas a isolá-los, a submetê-los ao trabalho e a evangelizá-los.

No caso específico das cidades francesas do Ancien Régime e de sua organização social, sobre as quais iremos nos deter nesta resposta, a importância de sua rede urbana provincial é evidenciada na medida em que 43 cidades, à exceção de Paris, ultrapassam a escala das dez mil pessoas. Em termos demográficos, o grupo mais importante aglutina entre 15 e 25 mil habitantes e, destes, a maioria não passa de vinte mil. As grandes capitais provinciais são em número de nove, sendo que apenas Lyon se aproxima da escala dos cem mil.

Na historiografia corrente, o século XVII aparece à primeira vista como um período de imobilidade. Apesar disto, é possível afirmar que as cidades conhecem mudanças consideráveis. Na França, em particular, sua população passa de 14% – aquela do reinado em 1600 –, para 17%, no fim da mesma centúria. Na base desta estrutura demográfica, encontra-se uma multidão de pequenos mercadores enraizados no meio rural, com um artesanato ativo. Estes mercados constituem dois níveis, um primeiro entre mil e dois mil habitantes e um segundo em torno de cinco mil habitantes. Tais cidades serviam tanto de residência para as elites quanto de mercado de troca entre produtos agrícolas e artesanais, que mais tarde vão dinamizar os primórdios no processo industrial na Grã-Bretanha.

Em nível de adensamento urbano superior, havia em 1700 cerca de sessenta cidades com mais de dez mil habitantes. Elas eram numerosas ao noroeste da França, ao longo dos grandes rios, assim como no lado do litoral mediterrâneo, como Marselha. A rede urbana geral variava segundo a região, sendo fraca em regiões montanhosas, mas forte no Languedoque, na Aquitânia, no corredor de rios como o Rhône e Saône, na bacia parisiense, na região de Flandres e na Alsácia. Na Bretanha, as cidades se caracterizavam por um policentrismo vigoroso.

As cidades em expansão eram grandes praças portuárias e comerciais do Atlântico, como Nantes e Marselha, e cidades com atribuições políticas, o que confirma o papel crescente do político. Neste ponto, entretanto, há uma divergência entre os historiadores franceses. Para Jean-Pierre Poussou (1983), que estudou a estrutura das cidades nas ilhas britânicas do século XVIII, a atividade urbana tem, primeiramente, um papel econômico, mesmo se Londres exerça uma função política de destaque. Poussou se opõe, desta maneira, ao pressuposto de Georges Duby (1980), para quem o papel primordial da cidade não é econômico, mas político. Para o organizador do compêndio História da França urbana, a cidade se distingue na paisagem e no meio que a circunda como um ponto de enraizamento do poder. O Estado assim engendra a cidade.

Não obstante, ainda em relação à França, seguindo o raciocínio de Vogler, que endossa a perspectiva de Duby, algumas localidades tornam-se centros regionais graças a funções políticas, como Grenoble e Brest. A hierarquia das grandes cidades se modifica ligeiramente com o recuo de Rouen e de Toulouse, e a subida de duas cidades recentemente anexadas, Lille e Estrasburgo, transformadas em capitais administrativas, mantenedoras da fronteira.

Após ter conhecido um ritmo de crescimento rápido no século XVI, as cidades francesas assistem a uma evolução mais diversificada e contrastada no século seguinte. A grande maioria das urbes da França se beneficia do desenvolvimento econômico na primeira metade do século, seguida de uma inflexão na segunda metade. A taxa de crescimento anual médio cai de 0,53% em 1600 para 0,19% na segunda metade do século. Entre as causas da redução, figuram as crises populacionais provocadas pela fome e pelas epidemias, mais mortais nas cidades que no campo. Cada crise atinge de 10 a 20% da população e interrompe seu dinamismo durante vários decênios.

De 1640 a 1700, a população de Rouen, por exemplo, cai de 75 para 60 mil e aquela de Angers assiste a uma redução de 34 para 30 mil entre 1650 e 1680. Uma das hipóteses para o recuo se liga à revogação do Édito de Nantes, em 1685, que provoca o êxodo massivo em certas cidades devido à presença huguenote e às guerras de Luís XIV.

As ameaças navais britânicas sobre as regiões costeiras da Picardia, da Normandia e da Bretanha, e as ameaças militares sobre as fronteiras de Lille a Berfort, provocam um esvaziamento dessas cidades. Dois comportamentos majoritários se esboçam: as cidades que tiveram um grande desenvolvimento no século XVI vão diminuir seu ritmo de crescimento, como no caso de Nantes, de Saint-Malo e de Grenoble, enquanto aquelas que tiveram apenas uma progressão lenta irão conhecer a estagnação. Algumas cidades antes dinâmicas tornam-se inativas, como Toulouse.

Edição      Enrique Shiguematu

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.