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GV CULT - Criatividade e Cultura

Vicissitudes históricas do federalismo no Brasil

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23/02/2016 06h26

Por     Bernado Buarque de Holanda

Federalismo

O Federalismo foi institucionalizado na constituição de 1891

O federalismo clássico formou-se a partir de experiências históricas norte-americanas, constituído por duas esferas de poder, a União e os estados (federalismo de dois níveis), e dotado de progressão histórica centrípeta. Isto significa que ele surgiu historicamente de uma efetiva união de estados anteriormente soberanos, que abdicaram de sua soberania (ou de parcelas de sua soberania) para formar novas entidades territoriais de direito público, ou seja: o Estado federal (pessoa jurídica de direito público internacional) e a União (pessoa jurídica de direito público interno). A União constitui-se numa das esferas de poder, ao lado dos estados membros, diante dos quais um não se coloca em posição hierarquizada em face do outro.

A discussão em torno de uma forma de governo apropriada para as repúblicas latino-americanas vem ocorrendo desde o seu processo de independência nas primeiras décadas do século XIX. A relação entre federalismo e centralização foi a linha mestra que dividiu o debate tanto nos antigos vice-reinos da América hispânica quanto na grande ex-colônia da América portuguesa, tornada monarquia e conhecida com "planta exótica" americana entre seus vizinhos.

O debate teve como eixo central o binômio "liberdade versus ordem" e variou segundo o peso das tradições regionais, de acordo com a influência das ideologias igualitárias, federalistas e monarquistas parlamentares forjadas na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra, e, last but not least, consoante o arranjo de forças nas coalizões políticas de cada república.

Se a Argentina e o México durante o século XIX são casos particularmente interessantes, em virtude de suas singularidades históricas, as limitações de espaço nos levam a mencionar brevemente hoje a experiência do Brasil oitocentista.

O Brasil deve ser entendido como um caso diferenciado na América Latina, em função das singularidades de sua metrópole, Portugal, um país minúsculo na Europa, que se tornou progressivamente dependente do ponto de vista econômico da Inglaterra. Como é sabido, o processo de independência política do Brasil se relaciona às invasões napoleônicas em Portugal e à fuga da Coroa portuguesa.

O traslado da realeza para o Rio de Janeiro e o medo da desintegração da colônia subsequente à separação de Portugal fizeram com que a solução adotada pela elite brasileira da época fosse a monarquia constitucional. Com ela seria garantida a unidade nacional, preservando o país de lutas fratricidas e de guerras provinciais, em um território marcado por frouxos laços de integração. A fim de diminuir os resíduos absolutistas e de reforçar os interesses federativos, foi outorgada uma monarquia constitucional, escorada na Assembleia Constituinte de 1823 e na Constituição de 1824.

A dificuldade de se chegar a um consenso entre as forças centralizadoras e centrífugas desde a abdicação de dom Pedro I do trono levou a diversas revoltas por parte de províncias, que ameaçaram a unificação e a estabilidade do Império durante o período regencial. As ameaças anárquicas durante a década regencial de 1830 precipitaram a coroação de um novo rei, que ainda não havia atingido a maioridade.

Ante o empoderamento de localidades dominadas por caudilhos, capazes de instaurar verdadeiras guerras civis, como ocorria na região contígua à bacia do Prata, em que "rosistas" e anti-rosistas" – alusão a Juan Manuel de Rosas, governador da então província de Buenos Aires, durante a década de 1830 – digladiavam pelo poder, a opção centralista foi recrudescida e novamente reforçada, em nome da unidade política e da ordem administrativa. Isto foi proporcionado graças ainda aos benefícios econômicos trazidos pela produção do café na região provincial do Rio de Janeiro – coração do poder político –, que iriam desbancar a antiga estrutura oligárquica açucareira.

Malgrado o peso de instituições como o Exército e a Igreja, que buscavam conexões internas a obstar a tendência à fragmentação, o Partido Conservador e o Partido Liberal alternaram-se no poder, num bipartidarismo que passou a concorrer e a se revezar no parlamento ao longo de todo o Segundo Reinado. Este último atacava o Poder Moderador, que falseava o parlamentarismo monárquico. Os liberais ainda costumavam associar o federalismo à liberdade e o centralismo ao despotismo e somente conseguiram impor seu pensamento no último quartel do século XIX, quando a campanha republicana ganhou corpo e o modelo estadunidense inspirou a formatação da Constituição brasileira de 1891.

Ainda assim, a dualidade entre centralização e descentralização permaneceria forte no decorrer da Primeira República, quer fosse como história quer fosse como imaginário. A título de exemplo, lembre-se a saga da vida e da obra do positivista Euclides da Cunha, que traz os dilemas da questão regional no Brasil estampadas na díade litoral versus sertão, em meio a revoltas populares deflagradas na virada do século XIX para o XX.

Edição      Enrique Shiguematu

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.