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GV CULT - Criatividade e Cultura

Sua atitude pode fazer a diferença!

Ana Vidal

08/12/2015 20h14

Por   Marcio Samia

Foto própria do autor do texto

Fotos próprias do autor do texto

O dia estava muito frio e nebuloso.

Saí do albergue as 07h da manhã e me recordo que havia muita neblina e cerração, mas como já fazia alguns dias que o tempo se apresentava dessa maneira, isso não me incomodava tanto quanto os sapatos que não secaram muito bem durante a noite.  Era o início do meu 13º dia de caminhada e, assim como nos dias anteriores, eu esperava que o tempo melhorasse com o decorrer do dia.

Depois de andar mais ou menos 15 quilômetros, deu-se início uma forte chuva que me acompanhou quase que pelo restante do dia. Aquilo, além de inesperado, foi realmente desagradável. Andei pelo menos mais 12 quilômetros embaixo dessa tempestade. Estava realmente muito difícil me concentrar no destino do dia. Faltavam 6 quilômetros quando a chuva diminuiu e o que restou foi um vento cortante que me acompanhou até o final do dia. Além do mau tempo, uma enxurrada de pensamentos me atormentava, fazendo deste, com certeza, o dia mais árduo desde o início desta viagem.

Como já disse em outra oportunidade, gosto de ver o Caminho de Santiago de Compostela como uma espécie de "resumo da vida".

Há dias turbulentos, frios, impiedosos e difíceis… e também há dias confortáveis, gostosos e alegres. Sua única obrigação do cotidiano é andar. Sempre em frente, não importa a quilometragem, mas continuar seguindo. Na nossa vida, independente do que nos aconteça, devemos sacudir a poeira do sapato e também seguir, deixando pra trás momentos confortáveis muitas vezes em busca do desconhecido.

Mas nem sempre a vida é justa não é mesmo?

Na verdade a vida não funciona com base na meritocracia, não é? Parece até que na maioria das vezes ela é injusta com quem "faz tudo certo".

Trabalhamos arduamente, dia após dia. Temos nossas responsabilidades em casa, no trabalho, entre amigos e as cumprimos da maneira mais honesta e decente possível, e esperamos que nada de mau nos aconteça.

Infelizmente isso não é uma regra, e as adversidades podem chegar a qualquer momento, como uma tempestade, atrapalhando o que deveria ser um bom dia de caminhada.

Saber suportar este momento faz parte de uma competência cada vez mais importante na nossa vida, chamada resiliência. Saber se recuperar dessas situações que muitas vezes nos tira o chão dos pés, faz com que nos sintamos mais fortes e hábeis. Porém passar pela tormenta não é tão fácil e com certeza não é agradável.

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Neste dia no Caminho eu conheci pouca gente. Com tanta chuva, poucas pessoas paravam para conversar. E toda essa dificuldade fez com que eu me questionasse por diversas vezes sobre qual o real motivo de me colocar à prova naquela jornada.

Num pequeno povoado, no entanto, enquanto parava pra ajeitar a minha capa de chuva e comer algo, li numa parede uma frase que dizia "aja como se o que você faz fizesse a diferença". Depois soube que essa frase é do filósofo e psicólogo americano Willian James, mas naquele momento isso não fazia diferença. O que importava pra mim, completamente molhado e com frio, era o que aquelas palavras queriam me dizer após um dia tão duro.

Segui os últimos quilômetros pensando em quantas vezes uma pequena atitude, um sorriso, um abraço, pode mudar o dia (ou até a vida) de outras pessoas.

Finalmente cheguei no Albergue Municipal da Igreja de Santa Maria, na linda cidade de Carrion de los Condes. Entrei na igreja (após quase 12 horas de caminhada) e chorei como uma criança. Estava exausto, mas conseguira cumprir meu objetivo do dia e chegar onde eu queria.

Uma simpática freira me acolheu, fez minha entrada e me apresentou o albergue, que estava lotado naquele dia tão frio. Tomei um banho quente, coloquei as roupas molhadas pra secar e desci as escadas do albergue para comer alguma coisa. Daí vi uma cena que superou toda a tristeza e cansaço do dia: uma roda de violão conduzida pelas freiras, para animar os exaustos peregrinos.

Faziam aquilo por alegria, por caridade. Ninguém precisava ficar ali, mas a sala estava lotada de gente de todas as nacionalidades. Apenas ouvindo aquela música agradável das freiras e deixando a dificuldade do dia pra trás.

Lembrei imediatamente da frase que li.

As freiras deviam fazer aquilo todos os dias, sem pretensão alguma. Talvez nem soubessem o bem que estavam proporcionando aos peregrinos. Ou talvez sabiam. Mas o importante é que não fazem esperando reconhecimento. Fazem porque acreditam que esse gesto simples pode fazer a diferença na vida daqueles que passam por ali. E faz!

Após percorrer o dia mais árduo do Caminho, causado principalmente pelo clima desfavorável e pelos pensamentos indesejados, tive uma das noites mais alegres da caminhada, ouvindo aquelas freiras tocando com tanta dedicação, com o objetivo único de acolher os viajantes. Nunca na minha vida havia passado da tristeza à alegria em tão pouco tempo. Isso me fez lembrar outra citação, que diz que "não há tempestade que dure para sempre. Depois de uma noite escura vem um lindo dia de sol."

Como por coincidência, após aquela fria noite que sucedeu o dia mais difícil de caminhada, amanheceu um lindo dia de sol.

São os aprendizados do Caminho.

"Aja como se o que você faz fizesse a diferença". Pode parecer pouco, mas pode mudar o dia de outra pessoa. Só depende de você.

 

Para ver um pouco das freiras tocando, entre em:

http://evoluindonocaminho.com.br/dia-13-itero-de-la-veja-x-carrion-de-los-condes-35km/

Bom Caminho e boa evolução!

Edição      Ana Vidal 

marcio samia

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.