José Lins do Rego: fortuna crítica de um "desafortunado"
Por Bernardo Buarque de Hollanda
"Sempre o Sr. José Lins do Rego perturbará os críticos com sua dualidade: um homem alegre, exuberante, apaixonado da vida até o sensualismo mais frenético; um escritor triste, um romancista que faz viver personagens desgraçados, que descreve situações comoventes".
Álvaro Lins
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José Lins do Rego (1901-1957) foi um escritor polígrafo. Além do romance, sua obra abrangeu o ensaio, a crônica, a crítica literária, a literatura infantil, a memorialística e a tradução. Seus escritos versaram sobre os mais diversos temas, como a poesia e a pintura, a arquitetura e a ecologia, o cinema e o futebol. Seus romances foram traduzidos para diversos países do mundo.
Sua obra de ficção foi adaptada para o teatro, o cinema e a televisão, sendo admirado nos anos de 1960 por diretores significativos do Cinema Novo, como Glauber Rocha e Walter Lima Jr. Nordestino, um dos representantes do movimento regionalista que despontou na década de 1920, radicado no Rio de Janeiro desde 1935 e aí vivendo por quase duas décadas até o seu falecimento, José Lins do Rego exerceu uma notável influência intelectual na capital da República, destacando-se por seu temperamento "lírico e sensual", "dionisíaco e romântico", conforme assinalou certa feita o crítico literário Álvaro Lins.
Não obstante a amplitude de sua obra e a intensidade de sua vida, o legado de José Lins do Rego parece condenado por muitos ao ostracismo e ao esquecimento. Como salienta o crítico Wilson Martins, os romances do autor paraibano não têm muito mais a dizer, sua leitura afigura-se pouco atraente ao grande público e seu nome já está definido na história da literatura brasileira como um dos representantes do moderno regionalismo brasileiro.
No balanço de sua obra, José Lins do Rego está circunscrito à imagem de memorialista cujo arco romanesco já se encontra traçado: o súbito surgimento com o lírico e evocativo Menino de engenho (1932), o ápice criativo com o épico e monumental Fogo morto (1943) e o ocaso com o confessional Meus verdes anos (1956), quando, já consagrado e reconhecido pela Academia Brasileira de Letras, despe-se da condição de ficcionista para assumir suas genuínas recordações de infância.
José Lins do Rego, durante o período em que vivera no Rio de Janeiro, havia sido bem recebido no âmbito da crítica e gozava de prestígio literário na cidade. No momento de sua estreia como romancista, por exemplo, a crítica abonadora de João Ribeiro, o acolhimento editorial de José Olympio e a leitura entusiasmada do modernista Paulo Prado, que falava ao vanguardista francês Blaise Cendrars do escritor paraibano como "o nosso Proust", eram fortes indícios da boa reputação de José Lins do Rego. Embora sempre alvo de reparos e de controvérsias, José Lins do Rego tinha o reconhecimento de seus pares, intelectuais importantes da época, como Mário de Andrade, Manoel Cavalcanti Proença e Lúcia Miguel Pereira, que dedicavam estudos e avaliavam de maneira positiva a sua obra ficcional.
A partir dos anos de 1970, no entanto, o autor passaria a ser criticado de forma mais sistemática por boa parcela da crítica literária. Este segmento intelectual, até então vinculado em sua maioria ao jornalismo, possuía agora formação universitária, situando-se nos então nascentes cursos de pós-graduação do país, com base principalmente no eixo Rio de Janeiro – São Paulo. A influência do estruturalismo francês nas Ciências Humanas e o predomínio da exegese estruturalista sobre o texto literário tornavam os romances de José Lins do Rego, à exceção da obra-prima Fogo morto, pouco instigantes para a reflexão teórica então imperante.
O autor permanecia vinculado à tradição literária do realismo e do naturalismo oriunda do século XIX, que não punha em questão os modernos conceitos de representação e narrativa, de tempo e de espaço. Por conseguinte, o escritor paraibano era pouco significativo para o debate acadêmico e para as complexas interseções que se estabeleciam entre Literatura e Psicanálise, entre Filosofia e Ciências Sociais.
Para expressiva fração dessa crítica, José Lins do Rego também não despertava interesse artístico maior, uma vez que sua obra constituía uma mera versão ficcional das formulações sociológicas de Gilberto Freyre, o mestre e quase preceptor do escritor paraibano. À sombra, pois, de Gilberto Freyre, pesava ainda sobre José Lins do Rego a pecha de um escritor desleixado, repetitivo e pouco sofisticado – objeções que, de resto, haviam sido feitas também à figura de Lima Barreto no primeiro quartel do século XX.
Tratava-se o escritor paraibano de um narrador menor. Era tão-só um contador de histórias surgido nos estertores de um gênero que, no sentido forte atribuído ao termo pelo ensaísta alemão Walter Benjamin, tornava-se cada vez mais rarefeito na sociedade urbano-industrial do século XX. Antônio Cândido considerava José Lins do Rego um "romancista da decadência", enquanto o austríaco Otto Maria Carpeaux tinha-o como o "trovador trágico da província", que derribava junto com sua terra e sua anacrônica oralidade. Parecia, enfim, haver uma homologia entre os heróis frustrados dos romances e o criador desses personagens.
Além disso, José Lins do Rego era tido como ultrapassado pela crítica literária na medida em que seu amigo, Graciliano Ramos, já havia sido eleito à condição de paradigma e de uma espécie de tipo-ideal de escritor. Sob o ponto de vista formal e estilístico, Graciliano Ramos era o antípoda de José Lins do Rego. Enquanto este era primitivo e rudimentar, a escrever seus romances num jato e de oitiva, o autor de Vidas secas tinha os atributos da concisão, da elegância e do refinamento artístico. Graciliano Ramos tinha superado na ficção a condição da literatura como documento social e, por isso, transcendia a dimensão regional.
Conforme avaliava o crítico paulista João Alexandre Barbosa, dentre os egressos do regionalismo nordestino, apenas Graciliano Ramos se sustentava "em pé" na seleção da produção ficcional das modernas letras brasileiras, indo somar-se, segundo ele, a Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Guimarães Rosa.
Será mesmo isso? Será mesmo assim? Zé Lins não fica mesmo "em pé"? No nosso próximo texto, continuaremos a tratar da trajetória e da recepção crítica do escritor em tela.
Edição Filipe Dal'Bó e Samy Dana
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