Conhecimento Prévio
Por André Dib
O conhecimento era prévio. Não haveria como saber disso depois. Nem muito antes. Era apenas um conhecimento que sabia e sabia que saberia antes de acontecer. Como um episódio de vidência repentina. Se sentia assim: com uma bola de cristal no bolso.
E antes que pudesse pegá-la e enxergar o futuro, já sabia o que aconteceria. Não é bem que sabia. Mas sentia que era o que aconteceria. E acontecia. Um de já vu do futuro. Uma premonição do passado imediatamente recente.
Mas o que importava é que aquele carro havia batido, bem em frente a escola que lecionava. O tumulto era tão grande que não se sabia se havia realmente alguma morte ou só eram imaginação os relatos de defuntos espalhados pelo chão que eram contados nos corredores. Iria assistir tudo pela janela. O angulo era ruim, mas tinha noção de que fora um acidente grave. Já podia visualizar o óleo que escorrera do motor na batida. Parecia ferrugem líquida. Talvez estivesse misturado com o sangue do motorista.
Uma cena horrível. A fumaça lenta que tomava conta da rua dava espaço para o caminhão de bombeiro que já estava ao lado da ambulância há algum tempo. Os dois faziam uma boa dupla no horário do expediente.
A tempestade e o silêncio. Era isso o que sentia. Sentia que era óbvio aquele acidente. Tudo acontecera de maneira tão rápida que nem parecia que havia acontecido. Ele estava sentado quando ouviu os pneus gritando. Em seguida o barulho de uma enorme invenção humana se chocando contra qualquer outra invenção tão rígida quanto as pedras da costa, que em anos viram areia. E seguindo essa lógica da natureza o muro da escola havia virado alguns pedaços de escombros misturados com ferragens e pedaços de vidro. Como se tudo estivesse batido no liquidificador.
Demorou a se levantar e ver o que tinha acontecido. Estava terminando de corrigir uma prova e tinha a sensação de que daria tempo de acompanhar todos os capítulos de uma longa novela apenas na última semana.
Ficou imaginando como a assessoria de imprensa reagiria a tal acidente se houvessem alunos e pais envolvidos. Será que fora culpa do motorista, de algum pedestre ou dos guardas do colégio que não haviam conseguido segurar uma das crianças do jardim de infância que saiu correndo no meio do trânsito e transformou aquela manhã de Sol em manhã de tragédia.
Deixou os óculos na mesa e olhou para a janela. Seu alvo, seu posto de observação. Caminhou em sua direção com a calma de quem já sabe o que lhe espera. Sabia que dali não veria tudo, mas veria. Isso já bastava. Queria ser mais um na fila de curiosos que fala com toda certeza o que acontecera. Quais eram os fatos. Quais eram os motivos.
Quando chegou a janela, se apoiou como uma guarda-vidas se senta em seu posto de observação. Dali pôde ver um oceano tranquilo. Com correntezas e ondas quebrando de maneira natural e esperada. Tudo ocorrera como deveria ocorrer. Tudo como o esperado. Sem escombros, sem batida, sem defuntos, sem causas e sem culpa: era apenas uma manhã de Sol.
Edição Filipe Dal'Bó e Samy Dana
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