Por    Marcio Samia Faria

Fotografia: Marcio Samia

Num dia de muita chuva no Caminho de Santiago, em determinado momento, me senti perdido, ao observar que em certo ponto poderia tomar cinco diferentes caminhos. Sabia que somente um deles me levaria à rota certa e era preciso tomar uma importante decisão.

O tempo ruim dificultava um pouco as coisas, pois em meio ao terreno irregular, pouca gente resolvera encarar uma caminhada tão longa e confusa. Era preciso prestar muita atenção, pois me encontrava sozinho. Errar o caminho faria com que eu andasse por quilômetros em vão.

O Caminho de Santiago de Compostela em geral é muito bem sinalizado com setas ou conchas, fazendo com que a caminhada seja relativamente tranquila. Porém, num dia de chuva ou neve muitas vezes esses sinais ficam escondidos sob as folhas ou cobertas pelo barro ou gelo.

Após um momento de busca pelo sinal do caminho correto, encontrei-o desenhado em um galho que estava coberto por folhas molhadas, dificultando sua visualização. Oito quilômetros depois dessa experiência, cheguei a um simpático vilarejo onde pude me abrigar num confortável albergue. Após um bom banho quente, num bate papo com outros peregrinos e um bom vinho, concordamos com a beleza da caminhada que estávamos executando, falamos sobre os obstáculos do dia e concluímos que o Caminho se parece muito com um resumo breve da nossa vida.

Imediatamente me coloquei a pensar no ocorrido dos cinco caminhos que encontrei. O que percebi é que tanto no Caminho de Santiago quanto na vida, encontraremos situações difíceis, onde precisaremos parar, respirar, prestar atenção e seguir. Em outros momentos a jornada será extremamente leve e agradável. Às vezes será tedioso. Outras vezes gostaríamos que o tempo não passasse e que aquele momento ficasse eternizado, como aquela noite no albergue por exemplo.

Não é raro em nossa vida nos sentirmos perdidos, pensando que em determinado momento no passado poderíamos ter decidido seguir outro caminho, imaginando que as coisas tomariam rumos mais tranquilos. Às vezes nos sentimos sem rumo, devido à perda de alguém próximo, ou por causa de uma situação que nos tira a sensação de segurança a que estávamos habituados.

O mais complicado é que nestes momentos é comum agirmos conforme nossa emoção, sem pensar nas consequências de uma atitude mal planejada ou pior, sem pensar no que pode acontecer quando decidimos não tomar atitude nenhuma. Nessa hora temos a impressão de que a vida está sendo muito dura conosco. E muitas vezes simplesmente paramos!

Na verdade, assim como no Caminho de Santiago, é extremamente importante parar e prestar atenção aos sinais. Sempre haverá uma resposta para as dúvidas da nossa vida. É muito importante agir! Existem momentos também em que a vida se apresenta repetitiva demais. Sem perspectiva de mudanças.

A rotina do dia-a-dia, as mesmas pessoas, o mesmo compromisso no trabalho, as mesmas ruas no caminho, as mesmas preocupações… tudo parece sempre mais do mesmo.

Assim, começamos a cair numa armadilha cruel: por acreditarmos que, como ontem fizemos exatamente as mesmas coisas e hoje estamos aqui, inconscientemente acabamos fazendo tudo igual de novo, acreditando que o amanhã também chegará.

Só que não existe certeza para isso. A vida é cercada de mistérios e cada dia deveria ser comemorado como uma vitória, já que não sabemos quando deixaremos de participar dela ao certo. Por mais que nos encontremos bem de saúde, isso não significa que chegaremos ao fim do dia da mesma maneira que o começamos. Na verdade nem deveríamos querer isso.

Cada dia deve ser encarado como uma oportunidade para evoluir. Crescer como pessoa, profissional, marido, esposa, pai, mãe, filho, irmão… enfim, deveríamos querer sempre chegar ao final do dia com algo a acrescentar em nossa vida, comparando com quando o dia começou.

Se prestarmos muita atenção, perceberemos que os dias não são iguais. Citando o pensamento do filósofo Heráclito de Éfeso, "tudo flui". Não é possível se banhar no mesmo rio duas vezes, pois as águas já não são mais as mesmas. Assim como o dia, que deve ser encarado como uma nova oportunidade que se apresenta toda manhã para que se percorra o caminho desejado.

No Caminho de Santiago é assim. Novo dia, novos rumos, novos sinais. Basta prestar atenção, decidir e seguir. Sempre.

Edição    Filipe Dal'Bó e Samy Dana