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GV CULT - Criatividade e Cultura

Sobre as obras de Luiz Zerbini: “High Definition” e “Mamão Manilha”

GVcult

19/06/2015 06h00

Por    Luiza Stievano

            e Manuela Santullo

 

Inhotim

Narcissus Gardem (2009) de Yayoi Kusama.

 

I.    Inhotim e Arte Contemporânea 

O Instituto Inhotim deixou de ser uma propriedade privada do idealizador do projeto Bernardo Paz em 2004, quando foi oficialmente inaugurado ao público como um Museu de Arte Contemporânea. Seu grande diferencial está na utilização da natureza e das construções presentes como elementos artísticos, fazendo com que a arte vá além de suas obras – o próprio Parque pode ser pensado como obra. Durante a visita, há um forte contato com a paisagem bucólica do parque, essencial no processo de absorção da arte, pois permite que os visitantes constantemente renovem a mente e limpem o olhar ao viajar entre as obras. A arquitetura, onde ficam os pavilhões e obras permanentes é outro diferencial: as edificações passaram pelo crivo dos artistas e dialogam com os projetos que ali foram instalados. Para as coleções temporárias, ainda existem quatro grandes galerias projetadas de forma a permitem distância entre as obras expostas.

Todos são elementos "formadores da arte" e juntamente da coleção de obras, são a razão pela qual o museu é considerado um local de arte contemporânea. A arte que paira sobre o mundo é causa e consequência de uma sociedade de comunicação e por isso as obras não se satisfazem apenas com apreciações visuais, mas também com a interação com o espectador e a transmissão de informações própriasok. Em Inhotim pudemos perceber a presença de uma arte que se relaciona com seus apreciadores, ficando estes também responsáveis por moldá-la e torná-la de fato, contemporânea. O significado da obra deriva dessa interação

II.    Luiz Zerbini: Artista Contemporâneo

Luiz Zerbini se insere em um amplo universo de atuação: produz esculturas, instalações, vídeos, fotografias, composições sonoras e principalmente pinturas. Suas obras figurativas são frequentemente marcadas por dualismos entre o orgânico e o geométrico; paisagens e formas abstratas.

O ato de retirar imagens do seu dia-a-dia e reapropriá-las em outro contexto é um mecanismo comum à sua geração. Com efeito, este hábito é uma das peças-chaves do que chamamos hoje de arte contemporânea. Por outro lado, Zerbini procura nos apresentar uma nova releitura do mundo através de traços e cores únicos. Não se trata de um mero recorte de elementos, mas de uma alteração e mistura de imagens que provoca uma sensação ambígua de naturalidade e estranhamento. Outro aspecto contemporâneo em suas obras é a falta de uma denúncia social direta.

Zerbini atua expressivamente em sua rede, exibindo suas obras em diversas exposições e museus em todo o mundo. E afirma sua posição: "Não dá para ser pintor se não tiver coragem, porque você abre mão o tempo inteiro de coisas que gosta porque sente a necessidade de ir além, e pra isso acontecer você tem que se arriscar." (ZERBINI, Luiz. 2010).

III.    "High Definition"

High Definition

High Definition (2010). De Luiz Zerbini. Créditos: inhotim.org.br

A obra de Luiz Zerbini ganhou nossa atenção devido a quantidade de detalhes que revelam o que a imagem realmente tem a nos transmitir. Em um primeiro olhar, identifica-se uma paisagem tropical misturada a elementos de uma floresta que a tornam, aparentemente, perfeita. Após alguns minutos de observação, já é possível perceber que o quadro contém finas faixas de cores diferentes que se sobrepõem ao fundo, e acabam por representar "falhas" no retrato que de longe aparentava ser tão real. Como outro fator revelador da irrealidade do lugar, temos a escolha das cores utilizadas por Zerbini, onde os troncos das árvores são pintados de tons que deslocam entre o lilás e o rosa, amarelo e preto.

Ao analisar o quadro mais profundamente, nota-se ainda a presença de elementos fora do contexto natural da paisagem. Na parte inferior, acobertado pela "vegetação", há detalhes que representam uma invasão urbana: um cabo de vassoura inacabado, um pedaço de cano e uma pequena caixa de luz. Esse conjunto de elementos divergentes se sobrepõem, causando uma confusão de contexto local no espectador, o permite enxergar a obra como um retrato não seria uma aproximamação crítica? do Brasil Contemporâneo e os fatores significativos em sua formação.

Zerbini definiu como ambiente predominante de sua obra duas paisagens características de nosso país e que foram plano de sua história e de acontecimentos significativos: a praia e a floresta. Ao pintá-las com cores alternativas e acrescentar elementos urbanos e da modernidade, coexistindo em um mesmo retrato, o artista constrói um paralelo com a cultura de miscigenação e com a nossa identidade nacional, marcadas pela diversidade e pela mistura de etnias. O país passou por uma grande urbanização e desenvolvimento e apresenta o conflito apresentado por Zerbini: um conflito de dominação de espaços entre a urbe e a natureza. Ok, só tomaria cuidado para não exagerar na oposição entre "natureza e civilização".

IV. "Mamão Manilha"

Mamao Manilha

Mamão Manilha (2012). De Luiz Zerbini. Créditos: inhotim.org.br

Assim como a obra anterior, este quadro nos cativou devido a justaposição de vários elementos e cores, propondo uma combinação única de estruturas das mais diversas formas. Além disso, o conflito entre a natureza em meio à dominação urbana ainda persiste. Os restos de materiais de construção concentrados do lado esquerdo do quadro – como tubos, tijolos, tábuas e latas de tinta – contrastam com os ladrilhos quadriculados que fazem parte da construção de trás. Isso ocorre, pois enquanto os ladrilhos possuem cores vibrantes e transpassam uma sensação de limpeza, os materiais de construção, uma sensação de descaso e abandono – seriam resíduos?.

A partir disso, pode-se traçar um paralelo entre esses elementos e a sociedade brasileira, devido à existência de realidades diferentes que coexistem e convivem no país. Essa analogia pode ser aprofundada ao se relacionar às definições de "Cultura de Mistura" e "Cultura de Triagem", cunhada por José Fiorin. Ao escolher elementos que retratam diferentes aspectos da cultura brasileira, Zerbini demonstra como o Brasil possui tanto a cultura de triagem, isto é, exclusão de alguns – através das duas construções diferentes – e também a cultura da mistura, inclusão, ao aproximar dois locais numa mesma perspectiva.  +-, evitar tratar ideias de mistura e triagem de forma dicotômica. Argumento de fiorim é que mistura própria da cultura brasileira está assentada sobre forte, mas subterrâneo, mecanismo de triagem.

Esse contraste é ressaltado pelo uso de tonalidades que remetem à sujeira, além da colocação de plantas mortas. O pincel posicionado em um dos buracos de um tijolo reflete à informalidade do comportamento brasileiro. Informalidade é uma palavra chave, pois não se trata de um retrato fiel de paisagem urbana, já que existem detalhes pictóricos que não pertencem à natureza – como as folhas transformadas em pixels – o que demonstra a vontade do artista de não se comportar formalmente diante da realidade.

Concluímos assim que Luiz Zerbini, apesar de não se dedicar a denúncias da realidade, acaba por transmitir uma mensagem de reflexão sobre a sociedade brasileira.

Edição    Filipe Dal'Bó e Samy Dana

Luiza e Manuela

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.