Árvore da Vida
Por André Dib
Então era isso, ele ficaria ali sentado enquanto ela caminhava pra longe. Talvez fosse a última vez a vê-la. Mas também, ele já estava velho, podia simplesmente se desfazer a qualquer momento. Como um gigante pisando em uma formiguinha. Ele nem notaria, o gigante.
Durante toda a vida havia sido dedicado, sustentara uma família inteira durante gerações. O trabalho sempre árduo e ininterrupto. Nunca havia tirado férias. Suas lembranças da vida profissional eram de uma escada alta com inúmeros degraus. Ele subiu um por um, estava no topo, no final. Cada vez podia ver mais do alto. Cada vez podia ver mais longe. E cada vez podia ver mais e mais trabalho abaixo dele. Novos profissionais estavam no setor e profissionais novos também. Talvez um desses últimos tivesse pego seu lugar. Mas achava justo. Com ele também foi assim. Ele esperava que o superior direto caísse e tomava o lugar dele. Foi assim a vida toda. Todos fazem isso. Ele também fazia, outros também fariam.
Mas sua recente queda no mercado profissional não tinha sido premeditada. Sabia que já estava trabalhando há tempo demais e não tinha a mesma força e agilidade de antes. Mas embora estivesse velho, tinha experiência. Por um outro lado, se fosse capaz de continuar trabalhando não teria saído da jogada. Mas de qualquer maneira, foi um susto pra todos. Mas muitos também caíram junto. É um jogo de baralho marcado. Quando venta as cartas viram.
Aos poucos, já parava de sentir tanta dor com a perda, mas também não sentia muita felicidade. Todos os seus sentimentos e sensações pareciam estar secando aos poucos. Como se não pudesse mais respirar, como se não pudesse crescer. Sentia-se diminuindo. Ficando duro. Inflexível. Talvez quebrasse ao meio se alguém esbarrasse nele. Já havia ouvido algumas versões sobre a vida após a morte ou a morte após a morte. Tinha muito medo, não sabia o que ia acontecer, só sabia que ia acabar.
E aos poucos, toda a seiva daquele tronco foi secando. E assistia toda a sua equipe de folhas secarem junto, só que mais rápido. Sabia que eram mais sensíveis, mas a visão era amedrontadora. Ao amanhecer apareciam mais pessoas na rua e sabia que o momento estava se aproximando.
De repente avistou um par de botas marrom escuras vindo na direção deles. Tentou fazer algum movimento, mas era inútil. Quanto mais tentasse lutar pela vida, mais rápido se afastaria dela. Em um passo, as botas esmagaram três folhas queridas. Elas ficaram absolutamente destruídas no asfalto. Estavam muito secas, então o peso dos pés deu a martelada final e acabou com aquilo para sempre. Lembrou-se de quando as pequeninas folhas nasceram, ainda não estava tão alto. O que uma primavera não faz hein!? Mas sempre soube que as folhas eram mais sensíveis e duravam menos. Durante toda a sua vida deve ter perdido mais de mil folhas. Mas lá do alto nunca tinha visto de tão perto. O barulho era perturbador. O próximo podia ser ele próprio. Um sapato poderia quebra-lo no meio, ou um pneu de carro podia esmaga-lo até perder a respiração.
Mas o que importava era que quando estava caindo do topo da árvore, o velho tronco vira seu amor pela última vez. Ela parecia estar fazendo um bom trabalho, além das folhas e dos pequenos troncos, também sustentava um ninho de passarinhos. Tinha certeza de que seria uma boa mulher, uma boa mãe. Pena não poder se despedir. Pena não poder ter se apresentado. Mas ela sabia dele e ele sabia dela. Durante o outono, com a perda de folhas, ele podia vê-la. E eles flertavam com olhares distantes. Mas não tinha como se aproximar mais. Essa é a realidade de um tronco, e não pode ser mudada.
Por um momento, ao lembrar dos ventos frios sacudindo a todos na árvore, se recorda que tinha esperanças de continuar vivo fazendo parte daquela árvore. Mas a tempestade estava muito forte. Mais forte do que a de 20 anos atrás, que quase faliu a empresa. Vários troncos caíram. Inúmeras folhas se perderam de seus troncos e não tiveram sua estrutura encontrada. Havia sido uma tristeza. Mas, na noite anterior, poucos se prejudicaram. Há 20 anos a árvore ainda estava muito pequena e os troncos não eram fortes e nem experientes. Agora já era uma árvore tradicional da região, muita gente passava por ali e a via. Estava forte, saudável, com troncos grossos o suficiente para aguentar uma tempestade muito forte.
Mas o velho tronco não estava mais nos seus tempos áureos. Inclusive sabia disso e já estava cansado. Talvez cair daquela árvore tenha sido uma boa. Talvez tenha sido na hora certa. Sabia que não seria fácil. Jamais seria fácil e com ninguém seria fácil. Mas talvez agora pudesse descansar. Para onde quer que fosse, imaginava um paraíso onde só havia Sol e sombra e drinks de seiva para todos. Nenhum tronco trabalharia lá. Ninguém precisaria sustentar nenhuma folha. Não que não gostassem das folhas, mas os troncos cansam de ficar com os braços pro alto segurando milhares de folhas por anos seguidos.
Edição Filipe Dal'Bó e Samy Dana
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.