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GV CULT - Criatividade e Cultura

Eu sou país do futebol, Nego!

GVcult

10/06/2014 09h01

Por Joana Cantanhede.

Futebol é como carnaval, que é a cara do Brasil. Ok, por mais estereotipo que isso soe, é mais que verdade. Assim como o carnaval, o futebol nasceu no chão da fábrica, como forma de entreter os mais pobres.

Bom, o carnaval não nasceu exatamente no chão da fábrica, mas surgiu das classes sociais mais baixas. E ambos logo ganharam um novo status (assim como as Havaianas). Hoje, no carnaval de Salvador, são mais de 2000 reais para perseguir o trio elétrico pelas ruas e um ingresso para um jogo de futebol custa mais de 600 reais. (Sim, é o ingresso da Copa, eu sei, mas ainda indica uma elitização do futebol).

E por que essa tendência de elitizar aquilo que surgiu na base da pirâmide social brasileira? Quisera eu acreditar que a nossa pirâmide está virando um quadrado (ou retângulo, se você preferir) mas a realidade não é bem essa. Aparentemente, o rico reluta para se distinguir do pobre e – sem muito sucesso – está cada vez mais próximo dele. Não foi na época dos "rolezinhos" que os "playboys" estavam falando que marca que pobre usa (e nesse caso, as marcas são Nike, Abercrombie, etc.) não pode ser usada por rico?

Mas o que significa uma marca? Quando falamos em Rolezinho, como podemos deixar de falar de funk ostentação e a "sociedade brasileira"? Pode chamar do que for, mas esse é nada além de um movimento que reflete uma sociedade que muda – demais – conforme o país cresce. Parece que os rolezeiros se aproximam cada vez mais dos "playboys". O que eu enxergo hoje, do ponto onde me situo nessa sociedade, é que essa aproximação do topo em relação à base da pirâmide se dá de uma forma muito mais cultural do que financeira. Não é cultura tipo "cult"; é cultura mesmo, que surge na rua, que ganha repercussão rápida. No momento em que se começa a debater a "licença filosófica" de Valesca Popozuda, percebe-se quão gritante é essa tendência.

Não sei se é de hoje que essa cultura de rua tem ganhado força, mas o assunto desde o ano passado é sempre a rua e tudo o que ela promove. Apesar de a propaganda da Copa te chamar pra rua, por que a festa é lá, a rua não se resume à festa (ou talvez nem promova festas, como querem que a gente acredite). Esse espaço público virou (ou faz tempo que é) a ágora contemporânea. Ela é, além de um lugar onde os carros e ônibus passam, berço de ideias, de movimentos, de personalidades.

Isso porque na rua vamos ouvir de tudo, ver de tudo, sentir de tudo. Pode ser nojo, pode ser calafrio, pode ser o que for, a rua ferve com tudo o que nela acontece. Tentar se distanciar do pobre, agora, é buscar a alienação. Não vejo uma separação entre nossas culturas mais, principalmente porque enquanto escrevo esse texto, no meu MacBook, estou escutando "país do futebol" do Mc Guime.

Assim, discutir o papel da rua nesse momento em que surge uma nova cultura, nesse fuzuê de Copa, manifestação, vendo a entrevista dos Black Blocks para o Estadão promove no mínimo, um sentimento novo. É algo que tangencia a raiva e a paixão mas que não se concretiza em nenhum. É observar esse movimento (ou sentimento) que nasce dentro de nós e que permite entender – de uma maneira um tanto quanto metafisica – tudo aquilo que Valesca talvez não tenha dito (ou sequer pensado em dizer), mas que assombra nossa sociedade. Que a mulher pode sim ter liberdade sobre seu próprio corpo, que podemos romper com aquilo que a sociedade pensa de nós, que existe uma violência impulsiva no mundo e que as relações que estabelecemos com os outros tem sido estranhas, no sentido de fugirem daquilo que se espera delas.

Será que mudamos nossa percepção para com o Brasil? Ou será que foi para com o mundo todo? Com o funk ostentação (que não é o caso da Valesca) é impossível observar essa manifestação cultural sem perceber que seu cerne está centrado no coração do capitalismo: Hoje o pobre pode consumir, e isso é positivo no Brasil. Quem antes não podia nem comer, hoje pode ir à Disney. Independente do aumento na inadimplência, é uma plenitude que dá gosto de ver.

Dá gosto por que indica que há mais felicidade no Brasil, e, inesperadamente, até aquilo que foi elitizado já é acessível à maioria. Tudo bem que alguns vão ter que dever mais para ver "a copa das copas" mas, considerando que o Brasil não vai sediar o evento novamente tão cedo, talvez valha à pena dever um pouquinho.

Foi o futebol, então, que transformou o Brasil? Não, na verdade quem transformou o futebol foi o brasileiro e quem – ou "o que" – transformou o brasileiro ainda é difícil distinguir. O que sabemos, convenhamos, é que essa mudança se saiu de uma forma bastante inesperada!

Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.

JoanaCantanhede

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.