Crianças: esse público estratégico
Por Luciana Garcia.
Não é novidade que qualquer trabalho destinado ao público infantil tem menos valor. Eu, que decidi já durante a faculdade optar por esse nicho, cansei de sentir na pele tal preconceito – especialmente no jornalismo. A verdade é que todo mundo dava graças a Deus quando sabia que tinha alguém para escrever as colunas infantis e se livrar da horrível tarefa. Sorte minha, pois ali eu via prazer, diversão e realização.
No mundo da literatura não é diferente. Se sou autora de livro infantil, as entrevistas – até mesmo as feitas pelas crianças – sempre vêm acompanhadas da pergunta: "Mas você não pensa em escrever para adultos?". Não. Dá pra entender que é possível ter mais satisfação assim?
O engraçado é que muitas vezes vemos livros infantis extremamente elaborados, com design de ponta, ilustrações de nível acadêmico, cores inesperadamente neutras e discretas, textos impecáveis do ponto de vista estilístico, mas ninguém se dá conta de um pequeno detalhe: a criança vai gostar dele?
É comum autores já renomados no mundo adulto decidirem escrever um livro infantil para conquistar uma imagem mais cool. É quando a situação se inverte e ele prova: isso é fácil; posso fazer de olhos fechados. A questão é que os olhos estão de fato fechados para quem interessa, e aí, o resultado é sucesso de crítica, ego inflado, e… leitor insatisfeito.
Há ainda outra categoria interessante: a dos editores sedentos por vendas "a qualquer preço". Nesse caso, tudo é pautado na busca desenfreada pelos temas ditados por uma meia dúzia de pessoas capazes de definir que editora será a grande premiada da vez. Então os autores são contatados com urgência para fazer (de qualquer jeito e com prazos impensáveis) livros sobre cultura afro-brasileira, índios, uso da água, apagão, e o que mais conveniente vier pela frente.
Não me excluo dessa "mamata": nós, autores, raramente sobrevivemos do nosso trabalho, de modo que, quando surge uma oportunidade que pague justamente, não podemos nos dar ao luxo de virar as costas e deixar passar. Mas a questão que coloco é: como fazer isso? Porque o que eu mais vejo é gente tentando agradar aos influenciáveis do governo – qualquer que seja ele, pois isso não faz a menor diferença. Já a criança, que de fato deve ser instruída sobre a diversidade de povos e culturas, o cuidado com o planeta, etc. é, muitas vezes, simplesmente esquecida.
Tenho na minha sala, onde passo a maior parte do tempo de trabalho (porque o sofá é mais confortável que a cadeira do escritório e me permite acompanhar as notícias na TV), três fotos de crianças sorrindo olhando para mim. É apenas para lembrar que essa é a razão de eu fazer o que faço, essa é a missão que eu estabeleci para mim mesma, esse é o fim para os passos que dou. E esse lembrete é necessário, especialmente nas horas de aperto, quando vem à mente tanto tempo de estudo, dedicação e esforço que em determinadas fases deixa de ter valor por causa da inflação, do humor de alguém de poder ou do lixo publicável do momento.
Hoje o marketing começa a ver as crianças com respeito, porque, afinal, elas comprovadamente são as grandes influências nas decisões de compras dos pais – opa! Interesse econômico-financeiro falando alto. Agora, o que elas sentem, como estão se formando, como lidam com os novos tempos é nada mais que indiferente (a não ser que seja – oba! – aproveitado em forma de pesquisa comercial).
Pra mim, trabalhar para as crianças é estabelecer a única possível base sólida no mundo. É garantir que, de alguma forma, estamos contribuindo para aquele ideal quase utópico e desvanecido da nossa juventude de fazer um mundo melhor. E nenhum louvor, prêmio ou status pode ter maior valor que isso. Sem, claro, desmerecer os colegas que trabalham para os pais delas. Mas estes poderiam ser também melhor conscientizados, não?…
Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.