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GV CULT - Criatividade e Cultura

A balança

GVcult

15/05/2014 09h00

Por Vítor Steinberg.

"O Passado" (2013), de Asghar Farhadi, por coincidência leva o mesmo título do filme de Hector Babenco lançado em 2007 – adaptado do romance homônimo de Alan Pauls. De certo modo eles se entrelaçam, entrecruzam, interpenetram, são belos trabalhos de cinema, de atuação (ao que se percebe talvez o foco principal nos filmes potentes hoje em dia, trabalhar muito com linguagem mais afasta do que "realiza"). A diferença é que o filme do diretor iraniano arrasta consigo essa necessidade urgente de entendermos o real no nosso espaço e no nosso tempo, mesmo que os fantasmas do passado nos assombrem incessantemente.

Como compreender espaço e tempo quando você está no meio da vida e sem equilíbrio? Se sua idade equilibra uma noção temporal, talvez sua noção espacial ainda esteja nublada e indefinida. É uma purificação, defumação, o mistério tapeado das coisas. O mistério é nossa inalação, vaporização dos sentimentos. Ou, quando dizemos que uma situação está "embaçada" – difícil, espinhosa, intransitável. Memória…

Quando dizemos que alguém tem as "costas quentes" – uma pessoa sempre protegida por um poder difícil de enfrentar… toda dependência é carregar o mundo nas costas – vide "O Mito de Sísifo" de Camus.  Ou mesmo na Itália a expressão popular "portare adosso" – carregar o passado nas costas para dizer que se está exausto, cansado, portando o peso do mundo no dorso.

O filme  – ausente de trilha sonora – é aquele que cai no real. As bofetadas jornalísticas de você aprender a "cair na real", acordar! Eu pessoalmente não acho que o cinema é um despertador, mas o contrário, um ópio finíssimo das arábias – funda paisagem repleta de névoa. Não que não seja violento. Ambas as formas, submissão da realidade e sadismo dos sonhos, são faces da violência.

E cinema seria máquina de sonhar, não de apanhar. Vejo muitos trabalhos feitos para "cair na real", de forma até violenta. Limites dos atores, limites dos movimentos de câmera. Mas o bonito mesmo é quando essas duas formas de violência de dissolvem e flutuam, entram num eixo regido pela adaptação.

Como o passado de certa forma.

Hamlet é um príncipe em melancolia que é assombrado pelos fantasmas do passado, a todo tempo. Eles encaminham a figura dramática, que não identifica de fato o que desmorona no presente. Um reino regido por um príncipe em melancolia é um reino de ódio e ingratidão. Deve ser mais ou menos assim que sobrevive o PT.

A serenidade do protagonista barbudo (não consegui ter internet 3g competente para colar o nome dele do google) é a de um homem mais bem resolvido com o que passou – e que vive o presente com mais humor, mais desenvoltura. Saber driblar, saber sambar, saber equilibrar-se… Mas de repente o filme parece que vira policial, a doçura e humor do barbudo fica em suspenso, mas ele volta no fim. E a protagonista fumante e irritada faz muito bem feito o que tem que ser feito.

A sutileza da casa – palco do filme – é a tinta, o vazamento da pia, a pia entupida, as latas de tintas que caem…. até que a distante (e próxima) personagem em coma aparece… deu um relance "fale com ela". É importantíssimo saber tratar um filme com violência e delicadeza.

Um grafite num túnel de São Paulo – caveira com rosas, bebê abraçando televisão, casal se beijando e olhando seus iphones vermelhos com caveiras, frases violentas com letras fofas, personagens da Disney fazendo ações estapafúrdicas…. identificação eminente que revela a mescla do violento e delicado… a chave-mestra.

Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.