Um pé no saco, um pé na cova
Por Vítor Steinberg.
O que acontece com "O Balcão" (1868 – 1869), de Manet? Jovens banais após o Brandy do almoço de domingo contemplando a paisagem tranquila de uma tarde em Paris. As moças transportam seus leques, sombrinhas, luvinhas, prontas para alguma desinteligência da atmosfera, o rapaz fuma um cigarro com postura de galo. O cãozinho pede para prosseguir a brincadeira com a bola, sensação de pôr-do-sol ao relento.
Qual o código secreto de Manet aqui, qual o segredo escondido atrás dessa galera "Oscar Freire", sem nenhuma ressaca dominical observando o dia passar? Estariam eles em seus tinders, facebooks e instagrams e chopinhos nos dias de hoje, nos jardins, em São Paulo? O sujeito apagado ali de trás, tocando piano ou servindo mais um drink? E daí?
Era quando tínhamos a honra de ser vagabundos. O respeito de não fazer nada. Por que hoje, fazer nada vai te fazer sofrer. Se você não trabalha numa oficina, o diabo faz de tua mente uma a todo vapor. Você é um demente social se apela para a criatividade, originalidade e a surpresa. Se você for autêntico e simplesmente passar a tarde com seus amigos numa varanda. Ouvindo vinis. Discos e livros que Elis queria levar para a casa no campo.
É pecado relaxar, até para isso você deve ser obrigado a fazer um esforço, como o Yoga. Para tudo deves suar, para tudo ganharás o pão com o suor de teu rosto. Para tudo deves entrar num edital, pagar a conta, dizer teu nome na lista. Tudo agora é evento, não há mais cultura. O museu de grandes novidades de Cazuza está em chamas e em arame farpado. O mundo está queimando e sobrevivemos encurralados em nossos pequenos caixões, ou caixinhas – inbox, box office, box pra lá box pra cá. Ressuscitássemos desse invólucro de madeira como vampiros à meia-noite, sedentos de sangue novo. Então temos este Magritte, pintado noventa anos depois, estigmatizando os jovens coitados ao congelador, ao caixão da geladeira infinita, o frigobar de nossas almas mal cuidadas, mal fadadas, mudas em suas próprias ressonâncias abafadas. Caixotes e papelão nosso pau na mesa no mundo de hoje. Os jovenzinhos da pintura de Magritte conheciam muito mais o tesão. Que quer dizer os caixões de Magritte? Que querem nos dizer os jovens esperando a vida passar na sacada?
Em minha singela opinião é para pararmos imediatamente de só ponderar o futuro. Heidegger, o filósofo alemão brutamontes, diz que o homem é o único animal que ri e faz perguntas. O único animal que pensa no que virá a ser, no que vem depois. Ou seja, como exemplo, ser feliz na velhice, quando nosso corpo não é mais feliz. Quando descobrimos que o corpo não está separado da alma. Quando cansamos. Como tudo hoje ao nosso redor: tudo é cansativo, tudo é um pé no saco para um pé na cova.
Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.
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