Interpretando Wayne Shorter
Por Marcelo Coelho.
O octogenário saxofonista e compositor americano Wayne Shorter é um pilar referencial no jazz e na música contemporânea. Sua obra, tratada como patrimônio norte-americano, influenciou diversos outros gêneros como o rock, o fusion e a própria música brasileira.
Além de grande músico, Shorter é também reconhecido por sua erudição, sabedoria e enorme espiritualidade.
Ao ouvi-lo falar, tem-se a impressão –e talvez seja mesmo real– de que ele transita, simultaneamente, por dois planos existenciais. Suas considerações acerca dos eventos corriqueiros e aparentemente banais soam como postulados de grande profundidade. Ele é capaz de observar outras realidades e possibilidades em cada palavra, som, ação, intenção, evento, em cada ser. Shorter percebe o Todo em Tudo.
Me senti um afortunado quando o conheci em sua casa. A conversa leve, repleta de amenidades, foi pautada por comentários sábios, e alguns de difícil compreensão.
Ele falou de boxe –seu esporte favorito–, comentou sobre os livros que estava lendo, mostrou alguns móveis que comprou na Ásia, os Grammys que ganhou e, de maneira bastante contemplativa e serena, brincou com a imagem de Buda colocando-a de cabeça para baixo.
Esta cena ficou marcada na memória!
Anos depois, ao analisar sua música e alguns dos seus solos, percebi que Shorter havia criado procedimentos musicais não convencionais: a sonoridade modal dos acordes, a assimetria da Forma, os intervalos angulares na melodia, a não funcionalidade harmônica, as improvisações imprevisíveis, a intertextualidade sugerida nos títulos das composições, e outros tantos.
Ele sugeriu diferentes possibilidades de sonoridade através da reorganização ou desarrumação das convenções musicais estabelecidas.
A reordenação destes elementos foi percebida como novos recursos de criação. Com isso, trouxe à tona potencialidades que estavam latentes tanto no conteúdo musical ainda não explorado quanto na capacidade de observação dos músicos em relação a este conteúdo.
A significação dada a estes novos elementos foi impactante no jazz, sendo, mais tarde, ressignificados por músicos provenientes de outros gêneros.
Durante o processo de estudo e maturação acerca da sua música, me veio à mente a imagem de um Buda sorridente sendo colocado de ponta-cabeça.
Compreendi, então, que as minhas contínuas interpretações e reinterpretações referentes àquele gesto, contextualizadas no âmbito musical, criativo, existencial e espiritual, era o que ele tinha para me dizer.
Seja como for, a oportunidade rara de compartilhar da sua presença teve um propósito, e creio que ele estava consciente disso.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.