O Zen do Som
Por Marcelo Coelho.
Ainda não tinha vinte anos quando visitei um mosteiro Zen Budista pela primeira vez, curioso em descobrir alguma coisa sobre a música de John Coltrane, ícone consagrado do jazz. De acordo com os livros, Coltrane se isolava em mosteiros em busca da perfeição na música, algo que representasse o sagrado, o incompreensível, o Grande Criador.
Até hoje não sei o que fez John Coltrane nos mosteiros, e tampouco compreendi a perfeição na música, mas a circunstância me iniciou na prática do Zen japonês.
A vertente Soto Zen enfatiza a meditação silenciosa —zazen. Para um pós-adolescente cuja mente e corpo emanavam conflitos, expectativas, medos, sons, e tantas outras pertubações, o zazen era como a catarse.
Com o tempo, fui percebendo a profundidade da filosofia Zen; quanto mais refletia sobre o estado do não-pensar, menos compreendia. Porém, a prática do zazen tornava-se cada vez mais intensa e misteriosa. Algo para além da minha compreensão estava atuando.
Anos depois, durante um sesshin –retiro Zen–, ouvi um monge dizer que 'meditar é estar consciente sem a mente'. Estas palavras me deixaram em estado de alerta e me prepararam para o que foi dito na sequência: '… é quando o canto de um pássaro é percebido apenas como um som, sem que a mente tenha consciência do canto e do pássaro…'
Fiquei atônito! Como músico, eu jamais havia observado auditivamente o som pelo som, sem significações. Esta experiência revelou um universo sonoro paralelo repleto de texturas e possibilidades. À época, a teoria de Pierre Schaeffer que analisa o processo da escuta ainda era uma incógnita.
A capacidade criativa da escuta isenta de significações é imensurável!
O silêncio pode tornar-se ensurdecedor se prestarmos atenção às vibrações do corpo que se manifestam através de freqüências agudas constantes. O caos sonoro da cidade grande, se apreciado apenas como som, pode induzir a intuição e a criatividade em áreas distintas, e.g., os barulhos e ruídos em uma estação de metrô podem ser ilustrados em cores, expressados em palavras, associados a paladares.
Com o tempo, a prática da percepção do som torna-se interdisciplinar, multidimensional. As músicas tocadas no rádio mesclam-se aos ruídos externos, os sotaques regionais soam como canções, objetos apreciados visualmente sugerem sons diversos, a respiração harmoniza-se com diferentes freqüências sonoras. Não há limites!
Desde então, o Zazen tornou-se, além do propósito espiritual, uma divertida e enriquecedora atividade de observação e imaginação.
Todos os dias, a qualquer hora e em qualquer lugar, paro com os olhos fechados para escutar a sinfonia de sons caóticos ao meu redor. Nesta hora, o tempo e o espaço atuam como meros coadjuvantes. E com as mãos em prece, reverencio. Namastê!
Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.
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