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GV CULT - Criatividade e Cultura

O Zen do Som

GVcult

13/12/2013 09h00

Por Marcelo Coelho.

Ainda não tinha vinte anos quando visitei um mosteiro Zen Budista pela primeira vez, curioso em descobrir alguma coisa sobre a música de John Coltrane, ícone consagrado do jazz. De acordo com os livros, Coltrane se isolava em mosteiros em busca da perfeição na música, algo que representasse o sagrado, o incompreensível, o Grande Criador.

Até hoje não sei o que fez John Coltrane nos mosteiros, e tampouco compreendi a perfeição na música, mas a circunstância me iniciou na prática do Zen japonês.

A vertente Soto Zen enfatiza a meditação silenciosa —zazen. Para um pós-adolescente cuja mente e corpo emanavam conflitos, expectativas, medos, sons, e tantas outras pertubações, o zazen era como a catarse.

Com o tempo, fui percebendo a profundidade da filosofia Zen; quanto mais refletia sobre o estado do não-pensar, menos compreendia. Porém, a prática do zazen tornava-se cada vez mais intensa e misteriosa. Algo para além da minha compreensão estava atuando.

Anos depois, durante um sesshin –retiro Zen–, ouvi um monge dizer que  'meditar é estar consciente sem a mente'. Estas palavras me deixaram em estado de alerta e me prepararam para o que foi dito na sequência: '… é quando o canto de um pássaro é percebido apenas como um som, sem que a mente tenha consciência do canto e do pássaro…'

Fiquei atônito! Como músico, eu jamais havia observado auditivamente o som pelo som, sem significações. Esta experiência revelou um universo sonoro paralelo repleto de texturas e possibilidades. À época, a teoria de Pierre Schaeffer que analisa o processo da escuta ainda era uma incógnita.

A capacidade criativa da escuta isenta de significações é imensurável!

O silêncio pode tornar-se ensurdecedor se prestarmos atenção às vibrações do corpo que se manifestam através de freqüências agudas constantes. O caos sonoro da cidade grande, se apreciado apenas como som, pode induzir a intuição e a criatividade em áreas distintas, e.g., os barulhos e ruídos em uma estação de metrô podem ser ilustrados em cores, expressados em palavras, associados a paladares.

Com o tempo, a prática da percepção do som torna-se interdisciplinar, multidimensional. As músicas tocadas no rádio mesclam-se aos ruídos externos, os sotaques regionais soam como canções, objetos apreciados visualmente sugerem sons diversos, a respiração harmoniza-se com diferentes freqüências sonoras. Não há limites!

Desde então, o Zazen tornou-se, além do propósito espiritual, uma divertida e enriquecedora atividade de observação e imaginação.

Todos os dias, a qualquer hora e em qualquer lugar, paro com os olhos fechados para escutar a sinfonia de sons caóticos ao meu redor. Nesta hora, o tempo e o espaço atuam como meros coadjuvantes. E com as mãos em prece, reverencio. Namastê!

zen

Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.

MarceloCoelho

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.