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GV CULT - Criatividade e Cultura

A Heroica

GVcult

05/12/2013 09h00

Por Vítor Steinberg.

Ó musa, a você mesma peço o sopro da inspiração! Para onde foi a mosca tsé-tsé para nos derrubar, acabar com a saudade, nos por na cama, dormir e sonhar? Será que foi morta pela raquete eletrônica, numa trombada letal? Ou o laboratório do Rivotril exterminou o inseto pulverizando um butano peçonhento? O artigo de Tati Bernardi publicado pela Folha esta semana "A gente não quer só cinema, a gente quer dinheiro" é a pedra no túmulo desta arte sem musa – o cinema.

O cinema, Nietzsche, morreu. É isso o que ela quer dizer com esses tratamentos fofos, esses filmes fofos, essas propagandas fofas, tudo muito fofo, leve, agradável, cool, etc. Assim pensará o bonachão: "é claro que eu quero ir ao cinema para esquecer meus problemas!" Afinal, no dia seguinte tenho que enfrentar a vida e trabalhar. Então vamos inventar os filmes mais fofos possíveis, até o ponto em que refilmagens de clássicos do terror são uma fofura como ursinhos carinhosos.

Vamos colocar um galã representando O Fantasma da Ópera e, quando ele tirar a máscara, além de cantar, continuará lindo! Revira-te no caixão, Gaston Leroux! Teu Nosferatu, teu Drácula, caros Murnau e Bram Stoker, será um benevolente fofinho que ainda não perdeu a virgindade e ainda reluz a ouro. Jack Nicholson, dê licença, pois quem vai entregar o Oscar não é você, mas a primeira dama, bem fofa, com a família! Onde estão as musas?

Elas, as responsáveis pela inspiração, dançando em roda, cantando e entoando versos, que tipo de sequestro sofreram? Nem mesmo um sequestro-relâmpago, que poderia ter vindo de Zeus, num acesso de fúria. Talvez um castigo eterno, lá do Hades. Cadê vocês, musas, de onde vem palavras como "música" e "museu".

Os maiores poetas da humanidade as entoam antes de abrir seus versos, até Homero – tanto na Ilíada quando na Odisseia – as invoca para regarem o pulso de inspiração de alegria, os mais virtuosos e poderosos sentimentos. Reparem que interessante e ao mesmo tempo inspiradora esta tabela do Wikipedia:

Musas

Havia uma para cada uma das seis artes (literatura, escultura, arquitetura, dança, pintura e música), mas qual é a musa do cinema?

A virtude de qualquer pessoa é a que ponto pode ser criativa ao mentir para si mesma. Deste ou desse ou daquele modo se compreendem os poetas. Lá atrás, na São Paulo modernista de 1922, Menotti Del Picchia recebeu uma carta de Victor Brecheret a/c (aos seus cuidados) para entregar ao presidente Washington Luís. Quando foi lhe entregar, perguntou: "por que Brecheret pediu aos meus cuidados, sou mais importante do que você?" E o presidente respondeu: "Você não leu o envelope? Está escrito "ao coitado" não "aos cuidados".

A mídia carrega aquele papo de quanto mais você mentir, mais acreditará. Por exemplo, de tanto exibir He-Man ou Capitão Planeta a televisão vê no espelho de si mesma um herói. E põe a capa para salvar o mundo das forças do mal. Não, você não é o que você acredita ser. No templo de Apolo, em Delfos, ainda sobrevive a inscrição: "Nada em excesso. Conhece-te a ti mesmo".

Tudo isso é para dizer que enquanto são extintas as musas, aumentam os heróis no cinema. Só super-heróis, seja da Marvel ou DC, eles mantém guarda como os deuses do Olimpo nas salas de exibição.

Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.