O Rock nos anos 2000
Por Flavio Lima.
A ideia básica por trás desta série de escritos que aqui se inicia é a de que o rock é uma forma privilegiada de expressão artística, no que diz respeito a registrar o sentimento da geração jovem em relação ao mundo. As canções, ao mesmo tempo em que geralmente carregam uma espécie de atmosfera de rebeldia – jovens que preferiram seguir com a música a despeito das dificuldades financeiras que pudessem existir nesse caminho cheio de dúvidas – permite registrar os sonhos e aspirações de uma geração, ou seja, em que aspectos ela recusa o que lhe é apresentado como "caminho normal da vida" pelos pais e pela sociedade como um todo. Esta ideia tem como pressuposto um acesso à educação básica, ou seja, artistas como membros de classes econômicas que lhes permitiriam uma vida materialmente confortável se este "caminho normal" fosse seguido.
Longe de serem meras especulações, é importante ter em mente esse "horizonte do normal", frente ao qual a arte moderna, em geral, mas especialmente o rock e a música popular se apresentam como contraponto; como escolha alternativa. A rebeldia, muitas vezes vista como algo contraditório à própria condição de classe dos jovens músicos, foi responsável pela sucessiva condenação do rock como um fenômeno artístico de seriedade menor, faltando, portanto, uma crítica que adentrasse profundamente as obras e permitisse discutir todas as contradições que estão nelas registradas. Aqui, procurarei enxergar essa rebeldia, essa opção por uma vida mais incerta e inconstante, como o fator fundamental que permite o registro de um conteúdo crítico nas canções – apesar das contradições que possam surgir por conta dela, que tampouco devem ser deixadas de lado.
Outro ponto que deve ser levado em conta no momento de interpretar as obras é a questão de como essa rebeldia pode converter-se em um mero bem de consumo por conta do contato com as gravadoras grandes e com a indústria cultural, em geral. É bastante comum que a energia inicial de crítica se neutralize por conta desse contato, de modo que muitas bandas optam por seguir com gravadoras independentes – esse fenômeno deu gênese a um termo frequentemente associado ao rock dos anos 2000, o indie rock. As obras escolhidas para interpretação serão aquelas feitas por artistas que souberam entender essa problemática e lidar bem com ela (o que não necessariamente implica evitar a indústria cultural, mas sim evitar a flexibilização da arte de modo a se adequar inteiramente a ela).
Embora essa discussão valha para toda a música popular produzida a partir do final dos anos 60, com os movimentos de contracultura, optei por tratar do período de 2000 para cá por dois motivos:
1) por serem obras recentes, sobre as quais pouco se falou em profundidade;
2) por serem representativas de um momento histórico particular e relevante, onde ressurge com bastante força a necessidade de crítica ao molde da adequação – que se dá em relação ao neoliberalismo tal qual se dera, na contracultura, em relação ao fordismo –, aliada a uma maturidade da forma, que permite, ao mesmo tempo, uma grande liberdade criadora, e uma articulação da criação a uma "tradição" já bem assentada do que é o rock e qual a sua linguagem. Ao mesmo tempo, ocorre uma democratização do acesso aos meios de produção de música independente, aliada ao surgimento de um novo meio de divulgação das músicas, a internet. Estes fenômenos são responsáveis pela gênese do indie rock e contribuem para a maturidade da forma já mencionada, por conta da possibilidade de fugir à lógica da indústria cultural.
O modelo utilizado para tratar das obras será o da resenha: não entrarei em uma análise profunda das letras e melodias, ou em conjunturas de criação dos discos, o que seria tema para livros ou ensaios de maior extensão, mas buscarei comentar brevemente os discos com base em três critérios:
1) as letras e os conteúdos expressos nelas;
2) o cenário musical no qual estão inderidas, ou seja, a forma escolhida para veicular a mensagem verbal;
3) o que o conjunto da obra (articulação entre letra e música) diz sobre o mundo de hoje e sobre a vida da geração jovem que nele vive.
Acredito que, ao compreender quais as críticas que a geração jovem faz ao mundo, será possível ter uma ideia dos rumos que este tomará, no futuro próximo, levando em conta a interação entre essa geração e as mais velhas. Além disso, será possível compreender melhor os limites da própria crítica, ou seja, em que pontos ela dificilmente será capaz de impactar decisivamente – no curto prazo – o mundo.
Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.
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