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GV CULT - Criatividade e Cultura

Só Usarei Ópio Quando Estiver Velho

GVcult

24/11/2015 12h29

Por    Vítor Steinberg

Steve Cutts

Ilustração por Steve Cutts, via stevecutts.com

Daqui a pouco começam os apelidos para o ano que vem. No estilo: "dois mil e catarse", "dois mil e crazy". O que será 2016, dois mil e desencana? Dois mil e desespero? Dois mil e desistis. Apenas uma coisa é tão enjoativa – a decoração de natal da Av. Paulista. É de se preparar, porque no chinês o ano que vem é Macaco-madeira. O elemento madeira, de acordo com os mestres chineses, representa algo que está sempre em expansão, pois assim como a própria madeira, no calor expande, aumenta, dilata. Ou o contrário, range e encolhe no frio do inverno.

Já o macaco pode tanto ser comportado, educado, polido ou bate um exú caveira nele que só dá cambalhota, pirueta, bagunça tudo. Sucesso em riscos impossíveis: invenções, improvisos. Isso vai depender de você. Entre precisar ser comportado, conteúdo… ou vigiado, policiado por si mesmo: continente.

A ideia de polícia vem de polis, cidade bem ordenada. Memória coletiva, filia. Não vem de cidade vigiada. Lá na Grécia Arcaica o amigo Platão falou que quando a multidão vai para cima da polícia, a polícia sente medo. Por que mesmo armados, são poucos. Comparados a 200 mil pessoas. E aí Platão pergunta: como se forma um militar?

Platão responde: você tem que formar uma alma corajosa. O que é uma alma corajosa? É a alma capaz de conter o medo. E quando ela não contém o medo, ela fica enlouquecida e acaba fazendo qualquer besteira (como aquele da tropa de choque vociferando: "Por que eu quis!").

Só que aí Platão faz uma diferença entre o incontinente e o intemperante. O intemperante é aquele que pela própria alma é violento (como aqueles que acham que são gordos por causa do DNA). Ele não vai conter a violência porque ele é violento, é uma escolha que ele fez pela violência.
Não há o que fazer com este humano violento e brutal, ele deve ser removido do exército.

E o incontinente vai impor a violência através do medo. Tem que tentar educar a alma dele. Pela geometria, pela música, pela ginástica. Esse treino é sugerido por Platão. Um exercício de contenção. Ou seja, os militares, que são os que mais deveriam ter contenção – é o que menos tem no Brasil. Ou na Turquia, Espanha, Itália…

Aí ficamos na violência pela violência. O rendido está no chão. Caem sobre ele 30 policiais chutando o estômago. A bomba tem efeito moral, como na inquisição. Muitos historiadores já chama nossa época de Neomedieval. Não dá para ter paz, desempacotar um Marlboro e fumar um cigarro sem isso virar um massacre paranoico-energético em São Paulo.

Lá na Idade Média o tambor era o instrumento mais ameaçador. Em teatro, o público ficava em pânico, acreditava que emergiria um diabo com o som dos batuques. Isso deveria ser incorporado nas manifs, mais do que nunca.

Um cartaz numa passeata nos Estados Unidos dizia o seguinte: "O que queremos? Viajar no tempo. Quando queremos? É irrelevante".

Leminski disse: distraídos venceremos. Lembra da revista Bravo?

É hype agora na Alemanha um novo e esquisito termo (sempre nascem seres bizarros em tempos de sombras): o smombie. Resumindo, a mistura de smartphone com zombies. Nas propagandas do cigarro Free nos anos 90, a vida era tão charmosa.

O que sobrou nesse lamaçal? Onde estamos realmente? Numa visita que fiz a Cinemateca Brasileira, o rapaz não sabia responder a minha pergunta sobre um filme, acabou confundindo Truffaut com Godard de um jeito vividamente descarado. Assim mesmo, sem cara, descarado. Ele estava ali para usufruir de um não sei quê que nasce não sei onde.

Qual é o problema da cultura geral? Digo, a tara pelo conhecimento, a tara da delícia das discussões profundas. Tarados por cinema, como os sonhadores, Eva Green, ressuscitada no GIF de Vênus escultura sem braços, Eva Green, venha me salvar. Qualquer papinho atual me dá sono, e nem tomo mais Clonazepam.

Sugeri na minha roda de amigos para procurarmos ópio na deepweb. Uma espécie de feitiço que acredito piamente ser poderoso. Então explodem respostas de efeito moral: "Só usarei ópio quando estiver velho".

Claro que encontramos um artista foda como Andrea Tonacci por aí, nos dias de hoje (mesmo que ele já seja velho). Para ter cinema bom é preciso ter literatura boa. E que a gente ouça os grandes compositores da música. Porque é fonte de magia. Começaram há 20 anos a fazer cinema social como Glauber Rocha sem a metafísica do Glauber Rocha. Então não há nada, virou nada.

Aquilo que era sublime no Glauber Rocha virou uma bobagem. Porque o Glauber Rocha tinha uma concepção, uma construção do que é o Brasil: um país incompleto. A pergunta da identidade está lá, vibrando como a Kundalini em estado de libido profundo. Muitos não tem nem ideia que existiu um Sérgio Buarque, do que é Brasil, nem ideia.

Cineastas, não temos que nos adaptar à sociedade. A sociedade é que tem que se elevar e compreender os filmes. Se tudo tiver que ser adaptado à ignorância, tudo será destruído, você não sabe mais o que fazer.

Vide a opinião de Luciano Vidigal e Cavi Borges na Folha. Vocês estão confundindo as coisas, amigos. Olha a carga de ódio!

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/11/1708037-critico-deve-sair-do-seu-mundinho-e-virar-pobre-negro-ator.shtml

Charlie Hebdo: Fodam-se! Nós temos Champagne.

Arte, coragem e mundo. Podemos ficar com esta frase de Gombrich: "Um quadro parece o mundo. O mundo não parece em nada com um quadro".

Goodbye, Playboy. Boas festas.

Edição    Filipe Dal'Bó

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.