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GV CULT - Criatividade e Cultura

Enmaletado

GVcult

26/08/2014 20h00

Por André Dib.

Ao conversar com o deputado, tornava consciente a intenção de perceber os mais singelos gestos e caretas. Uma mexida de boca para um lado e uma puxada de ombro, será que mentia? Era jornalista há tempos, mas apenas nos últimos poucos anos passou a perceber a linguagem corporal de forma minuciosa. Se depois de um sorriso o relaxamento dos músculos faciais fosse muito veloz, a felicidade não passava de mentira. E aí entrava uma pergunta perturbadora, a fim de descobrir uma causa coerente para tal ato desonesto.

Mas tinha mais interesse em outras respostas. O escândalo começara com uma acusação de desvio de verba, mas não havia nenhum indício de que a quantia desaparecida se escondesse entre as mãos do deputado. Nenhuma movimentação bancária, nenhuma compra significativa, nenhuma viagem, nenhuma obra de arte, nenhum novo imóvel. Nem em seu nome, nem em nome de seus familiares e laranjas. A varredura foi completa, como nunca se havia visto. E, realmente, o deputado não portava o dinheiro. Talvez fosse daí que viesse a felicidade incerta.

Mas o fato é que ele saíra de uma sala com uma maleta. E um homem que sai de uma sala com uma maleta, é um homem corrupto. Não é bem assim, que todos os homens que saem de uma sala com uma maleta são corruptos. Mas os que entraram sem maleta sim.

E aquele deputado era um desses. Era um homem que entrou em uma sala sem maleta e saiu dela enmaletado. Até ai, ele é culpado. Não só por causa da maleta, mas porque o dinheiro sumiu de uma obra e tinha tamanho exato pra caber naquela maleta, em notas de cem. Só que as imagens em vídeo contam histórias. E, embora ele tenha saído da sala e entrado em um carro com a maleta, ele permanece no carro por pouco menos de um minuto e sai do carro, sem maleta, talvez, de mãos abanando.

Como jornalista, imaginava algo muito simples: um encarregado levou o dinheiro embora. Mas sabia que leão caçava sozinho. E jamais deixaria seu reino nas garras de outro. Corrupto que presta não deixa uma maleta cheia com ninguém. Eles sabem muito bem o que o dinheiro pode fazer com uma pessoa.

Diante dos fatos, formulou três possíveis hipóteses: a primeira era simples e matadora: usou o dinheiro para pagar alguém ou algum favor, a campanha política estava próxima e, com certeza, haveria repasse de verbas extraoficiais. Jamais descobririam o destino do dinheiro. A segunda hipótese era mais questionável: o deputado estava ali apenas como figurante e, na verdade, o verdadeiro leão estava no carro. Mas conhecendo bem o cenário político sabia que em breve o dito cujo seria candidato a presidente, então não sujaria sua barra por uma maleta. A terceira hipótese fugia do senso comum, mas era bem realista: leão não caça, quem caça é a leoa.

Quem sabe a maleta estava vazia…e quem caçou foi a leoa empreiteira, que na sua sala, permaneceu enmaletada?

Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.

AndreDib

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.