José Lins do Rego e o futebol: 20 anos de uma agenda de pesquisa
GvCult - Uol
01/03/2022 08h53
Por Bernardo Buarque de Hollanda
Há vinte anos, quando iniciei pesquisas em nível de pós-graduação sobre as crônicas esportivas na vida e na obra de José Lins do Rego (1901-1957), tinha em mira realçar um vazio entre os pesquisadores da área de Letras, o mais das vezes preocupados com o valor literário do romancista na história da literatura brasileira e com a identificação das características gerais de seu regionalismo nordestino. Sabia-se que, a exemplo de seus pares, José Lins também fora cronista, mas grosso modo a informação afigurava-se secundária e de somenos importância. No tocante à crônica esportiva, o traço anedótico de sua relação com o futebol e de sua condição de inveterado torcedor era, aqui e ali, mencionado por um crítico ou por algum organizador de antologias, sem que o dado fosse levado adiante, e considerado mais a sério para o campo da ficção.
Em 1995, o escritor Edilberto Coutinho, ele mesmo ficcionista e contista do futebol, com o premiado Maracanã, adeus, desenvolveu um trabalho hercúleo ao organizar Zélins: Flamengo até morrer. O volume, com centenas de páginas, não só resume uma a uma como aporta uma série de circunstâncias amiúde desconhecidas das 1.571 crônicas esportivas escritas pelo autor de Fogo morto. Como se sabe, o Jornal dos Sports foi o espaço da coluna zeliniana "Esporte e Vida", veiculada entre 1945 e 1957, colaboração extensa, portanto, com mais de uma década de produção cronística na imprensa.
Convém assinalar, entretanto, que a vasta pesquisa de Coutinho não teve uma recepção à altura da sistematização que o mesmo proporcionou. A publicação decerto alcançou pesquisadores e o livro por suposto circulou, mas a precariedade de uma edição caseira não logrou difundir a contento tal faceta do renomado escritor da Academia Brasileira de Letras.
É possível dizer que apenas quando, em 2002, a Editora José Olympio decidiu publicar a primeira edição de Flamengo é puro amor, antologia de 111 crônicas esportivas, tal dimensão chegou de fato ao leitor comum e à opinião pública, com vendagens que levaram a uma segunda fornada editorial, saída em 2013.
Foi nesse bojo que pesquisei as conexões modernistas e regionalistas que orientavam a visão do literato acerca do significado do futebol no Brasil. A chave argumentativa de meu livro (2004) consistiu na integração entre a escrita do romancista e a do cronista, jungindo-as, a fim de provar que José Lins lidou com o fenômeno futebolístico da mesma maneira que correntes nacionalistas do modernismo, tais como estudadas por Eduardo Jardim (2016) e do regionalismo, pesquisadas por Luís Bueno (2006) se valeram, na primeira metade do século XX, dos temas da cultura popular e do folclore, em sua missão de conquistar, no plano das artes e da cultura, a autonomia nacional e a autenticidade artística.
Nesse percurso, outros pesquisadores também se dedicaram ao assunto. No âmbito da pós-graduação, esse componente foi fisgado também pela historiadora Fátima Antunes (2004), que em seu doutorado na USP enfeixou as crônicas esportivas do escritor paraibano, lado a lado com os escritos de Mário Filho e de Nélson Rodrigues. Publicada em livro, a tese pontua semelhanças e diferenças entre os cronistas e apresenta uma visão de conjunto mais ampla das inter-relações entre futebol e identidade nacional, por meio do discurso cronístico desses nomes luminares da história da imprensa e das letras brasileiras.
Hoje, passadas duas décadas, é possível dizer que José Lins do Rego encontrou um lugar ao sol no futebol e é reconhecido também como cronista esportivo por um público mais amplo. Evoé.
Edição Final: Guilherme Mazzeo
Sobre o editor
Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.
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