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Um romance de Eça de Queiroz

GvCult - Uol

02/03/2021 06h11

Eça de Queirós (Foto: Reprodução)

Por Bernardo Buarque de Hollanda

O drama O crime do padre Amaro (1875) constitui uma das críticas ficcionais mais veementes já feitas em relação aos costumes religiosos, à instituição católica e à moral da Igreja em Portugal.  Ambientado no século XIX, o escritor português Eça de Queiroz (1945-1900) não hesita em mostrar toda a decadência por que passa o catolicismo lusitano, através da caracterização de seus personagens mais emblemáticos e das atitudes mais representativas destes.

A história principia em Leiria, com a morte do pároco da cidade. Devido à influência que tem sobre as autoridades eclesiásticas, Amaro, um padre desconhecido e inexperiente, substitui o antigo vigário. Vindo de uma pequena cidade, o novo pároco chega em Leiria e é recebido por seu conhecido cônego Dias. Amaro é hospedado em casa da Sra. Joaneira, amante do cônego. Este tem com Joaneira uma filha chamada Amélia, de 22 anos.

Amaro torna-se muito respeitado e querido por todos na cidade. Passa o dia na Igreja celebrando as missas e ouvindo as confissões. À noite, recebe visita de senhoras, como Dona Maria da Assunção, d. Josefa e Sra. Gansoso, além de figuras eclesiásticas, como Natário e o próprio cônego Dias. Padre Amaro começa a estabelecer laço maior de amizade por Amélia, sempre gentil com ele. Passam igualmente as manhãs conversando.

A filha da Sra. Joaneira costumava tocar piano e costurar. Tinha também um namoro com João Eduardo, um jornalista que não era muito religioso. Todavia, ela não morria de amores pelo rapaz. Com o tempo, a relação entre Amaro e Amélia foi-se intensificando e o pároco começa a sentir interesse pela moça. Isto perturba-o a ponto de não conseguir dormir e logo Amélia se porta da mesma forma, pois também dá os mesmos sinais de estranha atração por ele.

Pouco a pouco, de maneira discreta, os dois trocam olhares e suspiros. Isto assim permanece durante um tempo, até que, um dia, voltando de um almoço em uma fazenda perto de suas casas, padre Amaro e a jovem conseguem ficar a sós. Subitamente, o pároco arranca-lhe um beijo. Ato contínuo, de forma reativa, a moça repudia e, assustada, foge em disparada. O padre apercebe-se do erro que cometera. Teme que a rapariga conte tudo à mãe, o que não acontece. Apesar disto, Amaro decide sair da casa de Sra. Joaneira para esquecer-se das tentações corporais que sente pela moça.

Nessa ocasião, João Eduardo desconfia da relação entre os dois e, principalmente, passa a suspeitar da conduta de Amaro. Sente ciúmes e, com receio de perder sua amada, decide acabar moralmente com Amaro. Para tanto, redige um artigo anônimo no jornal "Comunicado" onde faz graves denúncias sobre eclesiásticos de Leiria, relatando como exemplo o caso do padre Amaro, que seduzira a "pobre" Amélia.

O artigo tem grande repercussão e estoura como uma bomba na cidade. Um padre é expulso do cargo e da região. Com o pároco nada acontece. Mas ele tem de se afastar em definitivo de Amélia. João Eduardo, feliz com o resultado de sua ação, adquire um emprego e pede a rapariga em casamento. Influenciada pela mãe, Amélia aceita o pedido.

Natário, ser muito vingativo, descobre que João Eduardo era o autor do texto apócrifo publicado no jornal da cidade. Com efeito, a revelação destrói os planos do jornalista e Amélia desiste do casamento. João Eduardo é demitido do novo emprego e tem de sair de Leiria, onde sua presença se torna intolerável.

Reconciliado, Amaro volta então a frequentar a casa da sra. Joaneira. Amélia dava sinais de que correspondia ao interesse do padre. Surge então a ideia de marcar um encontro em que pudessem estar a sós. Amaro lembra da residência do tio Esgelhas, onde havia uma pessoa com problemas mentais, que ficava sempre trancafiada em seu quarto. O padre confabula sua ideia: Amélia iria cuidar da doente e ensinar-lhe devoção. Pouco tempo depois, passam a se encontrar todos os dias na casa, o que lhes permite ter as primeiras relações amorosas.

Os encontros às escondidas sucedem-se por um bom tempo, até que um dramático acontecimento se confirma: a amante havia engravidado. Amaro fica desesperado, pois a gravidez o iria desmascarar, podendo ser expulso da cidade e perder seu posto religioso. O pároco e o cônego Dias começam a pensar em como evitar que a notícia se revelasse.

A solução dos dois urde uma trama meticulosa: a pretexto da doença de dona Josefa, resolveram levá-la a uma região vizinha, chamada Ricoça, para recuperar-se. Com ela, vai Amélia, a fim de lhe prestar assistência. Isto a permite isolar-se do convívio social, inclusive de sua mãe. Amélia, mesmo desconfiada do plano, aceita.

A jovem passa dias muito ruins em Ricoça. A depressão lhe toma conta, sente-se culpada e pecadora. Logo também começa a delirar. Tem visões do inferno à hora de dormir. Pouco a pouco, o amor pelo pároco arrefece. Sem embargo, Amaro, egoística e cruelmente, torce para que o bebê nascesse morto. Em último caso, entregá-lo-ia a uma ama, para que o cuidasse.

O tempo passou de maneira sôfrega até o dia do parto. O doutor Gouveia cuida do nascimento do menino. Após o parto, Amélia tem convulsões e grande hemorragia: o sangue jorra pela boca. A situação dramática agrava-se ainda mais. Até que, sem nada mais a fazer, o médico assiste à morte de Amélia. Eis a narração do verdadeiro crime cometido por Amaro. Desolado, o padre, que tinha entregado o filho a uma ama, tenta reavê-lo. Seu intento malogra, pois também o recém-nascido tinha morrido.

A pungente narrativa de Eça de Queiroz chega a seu fim. Amélia é enterrada, ao passo que Amaro vai embora, impunemente, para Lisboa.

Edição Final: Guilherme Mazzeo

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

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O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.

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