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Tehipster, novo gênero cinematográfico

GvCult - Uol

12/06/2020 17h01

Reprodução: Filme Midsommar, 2019, Ari Aster.

Por Vítor Steinberg

No cinema, o terror não enfraquece desde sua concepção até os dias atuais. Nos anos 30, por ser um estúdio pobre, a Universal não poderia investir em outros gêneros. Razão: economia de energia elétrica, sendo possível filmar apenas cenas mais escuras. A maior sensação foi iluminar a faixa dos olhos vampirescos do romeno Bela Lugosi. Já nos anos 70, o erotismo invadiu os filmes horripilantes e suas vampiras lésbicas assassinando pálidos jovens europeus. Com erotismo, bobagens, elegância ou monstruosidade, de certo modo, o terror sempre foi um derivado de filme-b. A independência do filme-b nos diverte não só pelo tema ousado, mas pelo estilo de produção e linguagem do filme. Quantas vezes já ouvi: "nossa, sangue é mais escuro e espesso do que esse suco de tomate!"

 

O  maestro dos filme-b nos USA é Roger Corman. Da vasta filmografia, indico O Homem dos Olhos de Raio-X (1963, Roger Corman), uma vertigionosa trip talhada à perfeição. Aqui no Brasil, temos seu parceiro no crime, nosso patromônio cultural Ivan Cardoso. Sua proliferação não é coisa a ser catalogada. Dos muitos espetaculares trabalhos que realizou, os óculos inventados, com lentes para não ver, o Ivanovision, tange a performance, a instalação e as artes plásticas. Puro espectador vivendo a experiência do filme. O espectador em transe. Suas invenções produziram o gênero que não leva a sério os marmóreos feitos do mestre José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Do terror alucinante e divertido de Ivan, nasceu o Terrir.

 

Os diretores se encontraram recentemente para um longo e psicodélico papo, por conta de um Porsche 90 – e da paixão de Corman por As Sete Vampiras de Cardoso. Isso tinha que virar um doc. O curta, lançado este ano, causa de imediato um efeito placebo desde o título: "O Colírio do Corman Me Deixou Doido Demais" (2020, Ivan Cardoso). Não vi no cinema, deve ser por causa do covid-19… será que tem em algum streaming? Como esses streamings deixam a gente perdido! Queremos a Blockbuster de volta, urgente.

 

A consagração pundorosa do terror chegou nos anos 80, porque bombou entre os jovens. A atração era mesmo se divertir comendo pipoca vendo Fred Krueger e Jason Voorhees espatifando adolescentes idiotas. Se uma garota pegasse na sua mão na cena do susto, você era o homem mais feliz do planeta Terra. Para um date e sair com os amigos: o programa certo, com público gritando e rindo durante a sessão. Em algumas salas, podia até fumar um Marlboro se quisesse. Terror, no fundo, era uma grande brincadeira para rir, paquerar e tomar sustinhos. Hoje, os campões de bilheteria dão mais sustinhos gratuitos e previsíveis do que divertem. Parece que não tem emoção se assustar sem o paradigma do caráter engraçado – isso virou um recurso já desbotado.

 

Muito rebuscado e mais complexo para a época são os intrigantes Hellraiser I e II (1987 e 1988, Clive Barker e Tony Randal). O figurino de látex sado-masoquista do vilão Pinhead é algo realmente esquisito e não menos sensual. A viagem estranhíssima pelo labirinto do inferno no segundo filme, com uma pirâmide de vidro fumê chupando a alma das vítimas deixa a criatividade dos efeitos visuais de hoje devendo muito. Mas uma coisa técnica é a pérola dos filmes de terror dos anos 80 – e o que os encareciam – as próteses de maquiagem. A imaginação rolava solta, com mortos ambulantes cortados ao meio, olhos saltando, tripas escorrendo, cabeças de mocinhas empurradas para dentro da tela de uma televisão.

A joia rara é o filme Society (1989, Brian Yuzna) e as maquiagens exageradíssimas, barrocas. Prepare-se para ver uma aglomeração de pessoas se transformar numa geleca besta multicéfala. No isolamento social, fica o aviso de que você pode realmente nunca mais querer ir a uma festa.

 

Colaborando com seu discernimento, fique com os filmes de terror dos anos 80. Nos anos 90 os efeitos digitais estragaram o charme das maquiagens pesadas filmadas em estúdio. De 2000 em diante, quase nada. Por agora, homenageando Ivan Cardoso, batizo o gênero hoje de Tehispter. O terror ficou limpinho e fofo! Passaram Comfort na loucura toda. Palhaço do IT é bonitinho! Exemplo máximo: Midsommar (2019, Ari Aster). Parece clipe da MTV esticadíssimo num longa chatérrimo do Wes Anderson, todo ascético cheio de fru-fru estético.

 

E uma espécie de cuspir no prato onde comeu: vai fazer os suecos parecerem uns doidões pagãos usando uma linguagem Bergmaniana? A trilha sonora remetendo ao universo de Monument Valley, New Age, terror como sublime, terror como decoração. O que dá medo nisso? Toca mais na bruxaria e não menos higiênico o Maria & João – O conto da Bruxa (2020, Oz Perkins). Os mais interessantes (igualmente puxados demais no visual) são The VVitch (2015, Robert Eggers) e O Farol (2019, Robert Eggers). Tehipster sofisticado, emanando aura chic.

 

Se você quiser algo atual com intensidade psicológica, capaz de cavar um buraco no seu estômago, fique com o seriado da Apple, Servant (2019, produção executiva de M. Night Shyamalan). Uma mãe perdeu seu bebê recém-nascido e, por negação, família e psicóloga lhe dão uma boneca hiperrealista para cuidar como se fosse sua filha. A mãe – uma repórter de telejornal –  acredita veementemente que a boneca é realidade. Contratam uma babá linda e estranha, que não deixa ninguém interferir no condicionamento psiquiátrico… Bons arrepios!

Instagram do autor – @steinberg__

Edição Final: Guilherme Mazzeo

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

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O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.

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