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Namoros com a geografia (III)

GvCult - Uol

12/11/2019 06h29

"Monte Roraima: Fronteira entre Brasil, Venezuela e República da Guiana."

Por Bernardo Buarque de Hollanda 

1ª. O interesse da geografia pela Terra e pela maneira como o homem a delimita permite que se observem as fronteiras. As linhas divisórias que separam as propriedades, cidades ou países saltam à vista de todos os seres humanos. Por que isto ocorre? Os estudos geográficos ajudam a perceber que a demarcação de espaços é uma forma de o homem se diferenciar dos demais. O território circunscreve, para não dizer perfaz, uma identidade. Se há as fronteiras da natureza, que configuram o mundo através das águas, dos relevos e das vegetações, verificam-se também as fronteiras sociais, que determinam as intervenções do homem em relação ao seu habitat e aos seus habitantes.

O passo inicial para a localização das fronteiras do mundo é o conhecimento do próprio planeta. Como ele se comporta, que movimento ele realiza, que instrumentos e referenciais criou o homem para se orientar na Terra – todas estas são perguntas primordiais. O sol, a bússola, a rosa dos ventos e os relógios são alguns dos meios e artefatos de que o ser humano se valeu para reconhecer as coordenadas do globo.

2ª. A ligação do homem com a natureza é muitas vezes conflituosa. Exige um processo de adaptação e segurança. Suprimir as necessidades e garantir a subsistência são duas metas das sociedades humanas. Por isto, a análise das características da região implica na existência de condições climáticas favoráveis à prosperidade agrícola, de um tipo de solo propício a uma boa safra e de uma pastagem adequada ao cultivo de específicos animais. As paisagens distintas do planeta moldam as ações humanas, que enfrentam desafios variados.

3ª. As fronteiras naturais constituem elementos relevantes para o entendimento das paisagens da terra. De igual forma, as fronteiras culturais são fontes indispensáveis à visualização da presença humana na Terra. Cada povo, ao portar sua cultura, introduz uma visão de mundo peculiar, onde a língua e a religião representam a base da comunicação, dos costumes e dos códigos morais.

A economia, ou seja, o processo de trabalho e a provisão de alimentos que o homem extrai do meio ambiente, atua em larga escala sobre a paisagem terrestre. Em constante mutação, sempre dinâmicas as fronteiras econômicas podem seguir orientações antagônicas, como a ortodoxia e a heterodoxia, o capitalismo e o socialismo, sendo que o sistema capitalista possui nos dias de hoje ampla hegemonia ao redor do globo.

O liberalismo, cujo fundamento é a livre concorrência e a propriedade privada dos meios de produção, integra várias nações em blocos econômicos e financeiros. Tais blocos, como a União Europeia e o Mercosul, eliminam as barreiras alfandegárias internas e diminuem a importância das fronteiras políticas dos países.

4ª. As fronteiras políticas, mesmo que diluídas com a globalização, são determinantes para a constituição dos países. O poder político organiza um país a partir de um corpo militar e civil, comandado por governantes e por leis próprias. A sua força de agregação pode levar o Estado a exercer influência externa sobre os demais. Convém ainda salientar que cada país pode englobar mais de uma religião, etnia ou língua. Um dos motivos que explica o fenômeno é o processo de colonização europeia sobre o mundo, iniciado desde o século XVI, que subjugou povos da América, da África e da Oceania, em fronteiras administrativas estranhas aos nativos.

5ª. O continente europeu possui uma história antiga, desde os gregos e os romanos, e recebeu influência de povos asiáticos e árabes. As inúmeras nações que o constituíram foram alterando de maneira significativa as suas divisões territoriais ao longo do tempo. A formação dos reinos e a unificação dos Estados nacionais contribuíram para dar forma aos atuais países do continente. No século XX, a luta pela hegemonia na partilha imperial do mundo levou a Europa a duas grandes guerras.

Além disso, a Revolução Russa de 1917 culminou por delinear o socialismo nos países do Leste Europeu. Recentemente, a derrocada da União Soviética transformou mais uma vez a configuração de suas fronteiras. Muitas nações rebelaram-se contra o poder russo e proclamaram independência. Na parte oeste, ao contrário, assistiu-se à unificação dos países em regiões de mercado comum e de livre trânsito. Tal fato tem aumentado as desigualdades sociais no interior do continente.

6ª. A Ásia é detentora do maior continente do globo e já foi palco de civilizações milenares. A partir do século XVI, foi alvo de colonização intensa de europeus, como portugueses e ingleses, levando a extensa área à pobreza e à indigência. O processo de descolonização deu-se no século XX, retraçando as suas linhas divisórias. É possível enfocar a Ásia com base em seus subcontinentes, haja vista a grandeza de suas terras e populações: o Oriente Médio, a China, a Índia, o Japão e os Tigres Asiáticos, entre outros que abarcam uma gama de etnias. Várias guerras econômicas e religiosas marcam o continente, que também presenciou a ascensão socialista entre os chineses e a modernização capitalista entre os japoneses.

7ª. No continente da África grassou uma das civilizações mais antigas, a egípcia. Entretanto, a história africana não ficou marcada pelos povos milenares. Os grandes impérios militares da Europa transformaram o continente entre os séculos XVII e XIX em um mero entreposto fornecedor de mão-de-obra escrava para a América. Com o ocaso da escravidão no mundo, os europeus penetraram todas as terras do continente e fizeram a sua partilha. Essa divisão desconsiderou as culturas existentes nos territórios, separando e unindo distintas línguas, etnias e religiões. A descolonização sobreveio em meados do século XX, quando as lutas pela independência começaram a ganhar impulso. Além de um brutal legado de miséria, uma das marcas deixadas pelos europeus foi a intolerância racial, cujo caso mais extremo encontra-se na África do Sul. Neste país, o apartheid racial constituiu uma política deliberada do governo branco. Somente depois de um processo interno de conquista negra e de pressão internacional o regime segregacionista teve fim.

8ª. Antes da chegada do invasor europeu, a América presenciou três grandes civilizações: a Asteca, a Maia e a Incaica. Com a dizimação e a subjugação destes e de vários outros povos, o continente americano passou a ser dividido por três impérios, quais sejam, o anglo-saxão, o espanhol e o português. Em fins do século XVIII, os Estados Unidos tornam-se autônomos vis-à-vis a Inglaterra e iniciam um movimento de ampliação de seus limites geográficos para o Oeste. No início do século XIX, a América Espanhola teve suas áreas coloniais fragmentadas, adquirindo várias unidades independentes. Já Portugal perdeu politicamente o Brasil, que foi elevado à categoria de Império, sem alterar profundamente as suas fronteiras. A diversidade natural, humana e social identifica a América. O poder monetário, cultural e militar estadunidense enseja o alastramento das influências geográficas sobre o mundo e, em especial, sobre a América Latina. Esta, como a África e parte da Ásia, permanece tímida economicamente, ainda que, no século XXI haja unido as fronteiras comerciais, mediante a criação do Mercosul.

9ª. A Oceania é um conjunto de ilhas e ilhotas que se tornaram possessões coloniais durante os séculos XVIII e XIX. A Austrália constitui a ilha com maior extensão no mundo, conquanto seja pouco habitada em boa parte dela, em razão da existência de um grande deserto em seu país. A Inglaterra e os EUA são as potências que mais atuam na Oceania. As comunidades nativas resistem à aculturação, embora hoje a maioria da população australiana viva integrada à economia capitalista mundial.

A Antártica é uma vasta extensão glacial, praticamente desabitada e sem fronteiras políticas precisas. Há uma grande discussão internacional em que se busca definir o seu destino. Muitos querem a pesquisa científica na região. Existem os que advogam a possibilidade de extração de minérios no local, onde também encontra-se um riquíssimo pescado.

Edição Final: Guilherme Mazzeo

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

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O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.

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