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Corpo vivo: fragmentos de leitura do romance de Adonias Filho

GVcult

02/10/2018 06h16

Por    Bernardo Buarque de Hollanda

Adonias Filho (1915-1990) foi um romancista de origem baiana. Polêmico por suas posições políticas, pertenceu à Academia Brasileira de Letras (ABL). Estreou no romance em 1946, com Servos da morte, e em 1983 lançou sua derradeira obra romancesca, Noites sem madrugada. De um total de sete romances – à parte a literatura infantil, os ensaios, as novelas e a crítica literária –, Corpo vivo (1962) é provavelmente o mais importante. Assinalo, a seguir, muito brevemente algumas passagens, diria flashes, deste ponto alto da literatura nacional.  

 

1ª parte

Depois de jurarem que iriam tomar-lhe as terras, Januário e sua família são mortos de forma cruel a mando de um inimigo. Do ataque, apenas Cajango, filho de Januário, consegue salvar-se. Em terceira pessoa, o romance narra a cena do crime:

 

Na sala de jantar, emborcadas na poça de sangue, as duas meninas – Maria Laura, de doze anos, e Maria Lúcia, de dez anos – estavam caídas como alvejadas em plena carreira. Januário de costas, estirado, estava sangrando no pescoço como se fosse um porco. Maria Thereza era a mais velha e tinha dezoito anos. Fui encontra-la na dispensa, quase despida, e observei que unhas de homem tinham rasgado a sua pele. Deitada de bruços, o sangue já não gotejava da ferida aberta na nuca. O punhal, que a matara, penetrara fundo. Compadre Januário, eu concluí, fora apanhado desprevenido, à traição.   

 

Cajango agora tem apenas Inuri, que é irmão de Januário, e ambos vivem para vingar-se dos familiares assassinados.

 

Eu e o menino, com as armas que pudéssemos levar, viajando dia e noite, iríamos em busca do Camacã muito para o sul da Bahia. '– Ninguém sabe, eu disse, mas Januário tem ali um irmão'. Irmão por parte de pai, filho de mãe índia, que vive naquelas brenhas do diabo.

 

2ª parte

 

Cajango ainda era um homem cercado e a vida no acampamento se tornara entediante.

 

A vida no acampamento já o cansava. Os mesmos homens, as mesmas vozes e as mesmas horas no pequeno descampado aberto na selva.

 

Filha de Pereira atrai Cajango. O pai não quer que ela venha, mas Cajango ordena a ida de João Caio a Itabuna e a sua vinda com a moça.

 

Em Itabuna, se não houvesse jeito, a moça continuaria a atrair os homens. Chico das Bonecas informara: dançava nas festas, os seios soltos na chita, os lábios pintados.

 

Não era difícil saber o que ia por dentro de Pereira, seu filho morto, a filha acordando o desejo naquele bruto.

 

3ª parte

 

Inuri não aprova que haja uma mulher na vida de Cajango e quer que a moça volte para Itabuna. Cajango não a deixa ir. Está declarada uma guerra.

Inuri era o único parente próximo de Cajango e devia tê-lo protegido. Mas, não, criou um menino cheio de ódio, como uma fera.

 

"Tornara-se odiado por homens e mulheres. Inuri, que ali está, transformara-o naquilo. E agora quer lhe tirar a mulher para que continue a guerra doida."

 

"Ela, como nós, tem que se vingar – Cajango prossegue – veio para nossa luta. – É mentira! – e Inuri, erguendo a cabeça, engrossa a voz. – Veio como fêmea perturbar os homens. Uns aos outros, por causa dela, se morderão como cachorros."

 

Morre Inuri.

 

"E vê o sangue, o sangue de Inuri, nas mãos e na rouba. Estava assim, sujo de sangue, quando padrinho Abílio o encontrou".

 

"Agora, com Cajango são quatro homens e uma mulher. Tudo que resta do naufrágio, pensa João Caio".

 

4ª parte

 

Cajango agradece João Caio por tudo que fez. Dá-lhe dinheiro e diz: "– Compre uma tropa e ganhe sua vida". Alto morre lutando com Digo Gaspar. Cajango vai morar e viver o resto de sua vida com a sua mulher na Serra das Brenhas.

 

"Inútil dizer que Cajango se entenderá com a serra, ela o abrigando até fazer-se esquecido, o sangue de Inuri em suas veias. As peles de suas feras vestirão ele e sua mulher, o alimento em suas caças e suas ervas, os braços se encontrando com suas árvores".

 

Edição      Enrique Shiguematu

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

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O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.

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