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Pornopopeia, um regozijo anti-erudito

GVcult

19/12/2014 09h00

Por Flávio Augusto Viana Pereira.

Mesclando o realismo de Nelson Rodrigues, o erotismo da arte de Márcia X e a ousadia do teatro de Zé Celso, se é que é possível consubstanciar tais ícones para sintetizá-lo, o escritor Reinaldo Moraes é digno da frase: "sou, e sempre fui, um anjo pornográfico." Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, Moraes trabalhou como jornalista de economia e começou a escrever romances como forma de "exercício artístico", passando a ser publicado em pequenas revistas e jornais de bairro.

Seu primeiro livro, intitulado "Tanto Faz", foi escrito durante sua estadia na França, graças a um convênio que lhe garantiu uma bolsa na Sorbonne. Mesmo não gostando do curso, o romancista foi realocado e teve de permanecer no país, tendo em vista que não existia a possibilidade de configurar quebra de contrato e durante o tempo ocioso se dedicou na produção de seu livro.

Já em seu penúltimo romance, "Pornopopeia", publicado em 2008, antes mesmo de imergir nas vivências do personagem principal do livro, o Autor nos alerta em seu "Aviso à realidade", prólogo do livro, deixando claro que "o real e o fabulado se encontram no ponto de fuga da imaginação". Com isto, ilustra a tendência em buscar convergências entre elas, realidade e fabulação. Segundo o sociólogo Octávio Ianni: "A narração literária e científica sempre decanta algo, no sentido literal e metafórico, sem esquecer que canta, encanta ou desencanta.".

No caso de Pornopopeia, não é preciso ser um crítico literário ou erudito para compreender o romance, mas sim ignorar dogmas ou se abster do véu da moralidade, ao deixar fluir as páginas sentindo a pungência da libido.

Modernista e picaresco são palavras que traduzem o romance, ao nos apresentar a rotina do personagem José Carlos (Zeca), um cineasta, incapaz ter qualquer tipo de afeição por quem o rodeia, seja por sua esposa, seu melhor amigo, o cunhado que sustenta a produtora ou o traficante de quem ele consome o pó – exceto por seu filho Pedro, que embora consiga atingir sua faceta afetiva, por si só, não é o suficiente para instigar atitudes mais contundentes na educação do filho.

Zeca evidencia a eterna busca pelo prazer imediatista, uma característica da atual sociedade. "Há épocas ou conjunturas históricas nas quais o contraponto literatura e sociologia pode revelar-se particularmente significativo, não só pelas convergências, mas também pelas revelações.", diz Ianni. A falta de dedicação ao filho, seja por conta do trabalho ou desinteresse, como no caso do Zeca, pode ser um dos legados dessa geração.

Enquanto os personagens secundários vão-se revelando, surgem também as nuances metafóricas da realidade brasileira: a utilização da fé para suprir desejos de foro íntimo; a "guerrinha" entre delegado e promotoria; policiais despreparados que atiram para todos os lados ignorando o bem estar dos civis; o porteiro que é flagrado vendendo drogas; na certeza da impunidade das atividades milicianas exercidas por agentes do Estado. Numa leitura global, a liberdade é amplamente difundida pela jornada empregada pelo protagonista desprendidamente à procura do que lhe seja capaz de produzir júbilo, uma evidente trajetória "carnavalesca" dentro do estado de São Paulo.

Ao refletir a diversidade das características endêmicas encontradas em cada região do país, a dinâmica exercida por Zeca, na facilidade do diálogo com as diversas camadas da sociedade, desde empresários até traficantes, configura a pluralidade cultural abarcada no livro.

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

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O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.

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