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O trabalho no século XXI: você já leu “O ócio criativo”?

GVcult

22/06/2014 09h00

Por Luciana Garcia.

Faz tempo que quero falar sobre este que é um dos temas mais centrais na minha vida: a revolta contra a exploração do trabalho que vivemos no Brasil e em outros países "em desenvolvimento".

Além de trabalharmos quantidades de horas que ultrapassam a fase crítica da Revolução Industrial (sim, muita gente passa facilmente 15 horas na empresa), somos tratados como prisioneiros em muitos ofícios, nos quais não temos "permissão" de ir até a padaria comprar um sanduíche se tivermos fome no meio do expediente, temos a obrigação de fazer hora extra (quase sempre para banco de horas), não podemos tirar férias quando e como queremos (e a que temos direito), e nossa criatividade é esmagada pela necessidade de estar presente "pagando cartão", ou pelo jogo competitivo e canibal de cumprimento de metas esdrúxulas e cada vez mais inalcançáveis – o que só nos coloca contra os colegas com os quais convivemos mais do que com nossa família.

Domenico De Masi, o sociólogo italiano, escreveu em 2000, no livro O ócio criativo, o seguinte:

"As pesquisas sobre o teletrabalho (…) o trabalho que não é realizado nos escritórios, mas na própria residência, evidenciam que as tarefas que na empresa requerem de 8 a 10 horas para serem realizadas em casa se realizam, comodamente, na metade do tempo: de 4 a 5 horas, no máximo. (…) se reduzirmos os horários de expediente em só uma ou duas horas por dia, o número de pessoas que já trabalha continuará a ser suficiente."

Segundo ele, em 2000, 36% da população ativa da Holanda já trabalhava apenas durante meio período. Na França, ao reduzir as horas semanais de trabalho para 35, em 1989, o número de trabalhadores aumentou em 2,5%. Hoje, o país, como vários outros na Europa, contam com trabalhos de 30 ou mesmo 20 horas semanais.

Mas o trabalho em casa e a redução de horas trabalhadas são apenas dois detalhes de uma grande teoria revolucionária – embora óbvia; o foco na qualidade de vida é que é o ponto central de tudo.

Estamos mentalmente overssobrecarregados se compararmos o trabalho atual com o realizado antes da década de 1990: faço parte da geração que usava máquina de escrever e que passava uma tarde para escrever um texto, enquanto, com a chegada dos microcomputadores e da internet, automaticamente passamos a realizar umas 30 tarefas mentais durante o mesmo tempo (ou você nunca falou ao telefone ao mesmo tempo que respondia a um email, anotava suas próximas atividades no papel e ainda lia a nova mensagem que entrava no msn?). O próprio De Masi reforça isso: "com 14 horas de trabalho humano, a Fiat fabrica, atualmente [em 2000], o mesmo produto que, há 15 anos, fabricava em 170 horas".

É claro que ansiedade, stress, fadiga e outros problemas são consequentes dessa aceleração, e ainda não temos pesquisas científicas claras sobre como lidar com esse tipo de consequência – portanto, cabe a nós tomar a iniciativa de mudar esse quadro. Não é nem um pouco fácil, mas justamente quando esbarramos nas grandes barreiras da vida é que ganhamos a força e a coragem que surpreendem as pessoas. Depois de passar por todos esses perrengues descritos no início do texto, eu conquistei cargo de confiança e o auge da realização profissional em determinado momento, tornando-me uma workaholic típica – até levar uma puxada de tapete e, no momento financeiro mais vulnerável da minha família, ficar sem emprego e sem perspectiva. O que acontece nessa hora? A gente percebe que absolutamente nada é estável nesta vida, junta energia e segue em frente, com a certeza de que a honestidade e a dedicação terão seu retorno. Mais adiante, essa coragem (e mais um pouco de estafa) me ajudou a pedir demissão de outro bom cargo, e a encarar a vida de autônoma com muito gosto. Mas as piores foram também as melhores experiências que passei: elas me libertaram.

Não é fácil administrar o próprio tempo, o dinheiro e a carreira, e não há uma solução mágica, mas somente parando e refletindo a cada momento encontraremos soluções corajosas para enfrentarmos o desafio: o que de fato é importante na vida? Para que você trabalha? Para que ganha dinheiro? O que se fazer da vida? Qual sua finalidade? A vida é curta, mas é plena. Cabe a nós fazermos dela o melhor que pudermos. E absolutamente nada tem mais valor que… pessoas.

Admito que o assunto é inesgotável (eu poderia escrever quase um livro sobre isso aqui, mas pra quê? O De Masi disse tudo!), porém prefiro fechar o texto com outra citação maravilhosa do sociólogo: "Enquanto é tempo, os executivos deveriam reorganizar as próprias vidas, começando pela cura desse delírio que os faz pensar que são eternos e adiar continuamente para a velhice o momento de curtir a família e os filhos. Deveriam começar a cultivar a própria vida interior, no lugar da carreira que um dia terá fim (…)".

Não deixe de ler O ócio criativo. Quanto mais cedo, melhor.

Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.

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