Barbarella sobe, desce
GVcult
02/06/2014 09h01
Por Vitor Meira França*.
Ele treidava ações de empresas de capital aberto. Comprava na baixa, vendia na alta. Comprava na baixa, vendia na alta. Alguém perdia, ele ganhava. Parece fácil, falando assim. Parece até que qualquer idiota pode ganhar dinheiro na bolsa de valores, mas não, não é fácil. É preciso conhecimento, experiência. Principalmente, é preciso coragem, é preciso disposição para correr riscos, correr risco de pôr tudo, tudo!, a perder. Ele era um apostador nato, sabia a hora certa de entrar, a hora certa de sair, a hora de vender, a hora de comprar. Istópi! Era um apostador nato. Por isso, ganhava rios de dinheiro. Rios! de dinheiro. Naquele dia, ousou como nunca. Uma sandice. Ar iu crêizi, men? Quanto maior o risco, maior o retorno. Lavou a égua! Encheu as burras! Saiu mais cedo do trabalho, às dez da noite, pois precisava comemorar. Hei men, teiquirísi!, alertou o colega da corretora. Suave na nave! Suave no lóve! Valeu pelo fidibéque, mai bói, mas hoje eu vou pra esbórnia! Djo quiero loucura! Ninguém me segura!
Chegou ao puteiro onde era cliente vipe, pediu um uísque, deu um teco na branca, pura, tomou meio Viagra, só pra dar um grau. Putaqueopariu!, hoje ninguém me segura, eu sou o rei do Brasil! Altas, baixas, gordas, magras, pretas, brancas, loiras, morenas. Tinha puta para tudo quanto é gosto. Ele gostava de carne. Colou na gordinha novata, Barbarella (batismo: Letícia). Gordelícia! Pagou um drinque. Jogou um papo. Um pouco depois, já estavam no quarto. Mal ela tirou o saiote, tomou uma dedada na rabiola. Eu quero o toba!, ele falou numa voz grave. Barbarella se afastou. Anal eu não faço, gato. Faço tudo, tudo!, menos anal. Eu quero o toba!, ele repetiu, pilhado. Sem chance, ela ratificou, fazendo muxoxo. Mas xoxota ele não queria. Eu quero a toba!, disse ainda mais uma vez. Olha, gato, se você insistir, serei obrigada a chamar o segurança. Riléquis, beibe, riléquis, ele tentou apaziguar. Següinte: o que você acha de fazermos uma apostinha? Apostinha?, ela perguntou desconfiada. Sim, beibe. Blou djóbe. Você tem trinta minutos pra me fazer gozar con uno belo bolagato. Se conseguir, te dou minha be-ême-dábliu zerinho. Se não, você me libera o toba. É chupar ou largar! Tirou a chave do bolso e botou na mão dela, que olhou maliciosamente para ele. Mas será que eu posso confiar em você, hein, gato? Hei, beibe, camom! No mercado financeiro, a palavra de um homem é o seu ativo mais valioso!
Barbarella se considerava a maior boqueteira do bordel, quiçá de toda a capital. Topou o desafio. Ajoelhou-se, baixou as calças do caubói, olhou sedutoramente nos olhos dele, passou-lhe de leve a gordelíngua na cabeçoila careca e, então, caiu de boca. Sobe e desce, sobe e desce. Chompe, chompe, chompe, e nada. Sobe e desce, sobe e desce. Chompe, chompe, chompe, chompe, e nada. Nem sinal de porra. O fiadaputa ria, o tempo passava, ela se desesperava. Aceitava ser puta, a grana era boa, mas jurara pra Virgem Santíssima que o toba não, que o toba era sagrado, que o toba era uma via de mão única. Perdeu a concentração. Chupava agora o pau angustiosamente, como uma criança perdida dos pais chupando um Chicabon na Praia Grande. O fiadaputa ria, ela se desesperava. Nem sinal de porra. Ele olhou pro relógio. De taime is ouver, beibe, de taime is ouver, disse finalmente, num tom pornocínico. Num impulso, ato reflexo, instinto de autopreservação, sabe lá, Barbarella cerrou a mandíbula. Sangue. OH mai Gódi!, ele gritou antes de cair no chão, desacordado.
Ela tirou o naco de pica da boca, levantou-se toda trêmula e saiu correndo, nua. Atravessou a boate cheia, cruzou a porta da entrada, rua. Subiu a ladeira, desnorteada. Lá em cima, havia um ponto de táxi. Apenas um carro estacionado. Madrugada de sexta pra sábado. O taxista até havia pensado em ir embora minutos antes, mas voltara atrás. A esposa ainda estaria acordada, bem capaz. Resolveu ficar um pouco mais. Barbarella avistou o carro. Bateu no vidro. Entrou. Vai pra onde, pela-Dona? No rádio, o resumo das notícias da semana. A bolsa de valores subira dezesseis vírgula nove por cento. O taxista havia seguido a dica de um passageiro entendido, comprara as economias todas em ações ordinárias. Encheu as burras! Lavou a égua! Me leva pra qualquer lugar, gato, só me leva pra longe daqui, pra bem longe daqui!, Barbarella disse apressada. Ele fez a volta na rua e acelerou ladeira abaixo, esfuziante. Mas já vou logo avisando, hein?!, ela alertou-o, implacável. Topo tudo, tudo!, tudinho!, mas anal eu não faço! Não adianta insistir.
*Vitor Meira França é vencedor do I Concurso Literário GVcult no formato prosa. Aluno do Curso de Doutorado em Administração Pública e Governo da FGV-SP. Linha de pesquisa: Política e Economia do Setor Público.
Sobre o editor
Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.
Sobre o Blog
O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.