“Tudo é Colagem!” por Tide Hellmeister
GVcult
14/03/2014 09h01
Por Marcelo Coelho.
O Cd Colagens (2007) – meu primeiro trabalho autoral – foi baseado, entre outras, na obra do artista plástico paulistano Tide Hellmeister. O disco foi muito bem recebido pelos músicos, crítica e público. Creio que uma das razões para a boa aceitação foi a sonoridade alcançada, resultado do processo composicional criado a partir da interpretação dos elementos visuais presentes nas colagens de Hellmeister.
A interdisciplinaridade nas artes sempre foi um grande estímulo para a criação artística. Muitas obras foram e são criadas a partir da reinterpretação de outras. Como descrito em um artigo anterior, "… uma obra de arte ainda suscita outras possibilidades de interpretação e recriação." – 'Antoni Gaudi, o legado de La Sagrada Família'.
No entanto, sabe-se que a interpretação e recriação de uma obra de arte feita por um outro artista não representa, necessariamente, a transposição mecânica dos signos contidos na obra original – uma composição musical que traduz de forma literal uma imagem pictórica abstrata não tem nenhum valor estético. Talvez desperte, quem sabe, alguma curiosidade quanto ao resultado sonoro.
A expressão da sensibilidade individual do criador, independente do propósito, é o que se pretende em qualquer processo criativo.
Embora compreenda-se que a sensibilidade individual seja o objetivo maior, o artista labuta em compreender o imaginar do outro. A observação atenta do artista observador atua no sentido de encontrar pistas que decifrem a observação criativa do artista observado. É o imaginar o imaginar.
A dificuldade em concluir sobre os processos criativos adotados por um outro artista está atrelada aos diversos contextos e propósitos possíveis em que sua imaginação e observação criativa atuaram – um escultor que se inspira em uma obra musical provavelmente desconhece os procedimentos de manipulação dos sons, necessários para a criação musical. Desta forma, não é possível ter acesso ao imaginar musical do compositor da obra.
Em uma carta escrita a Jacques Hadamard, Albert Einstein afirma: "As palavras ou a língua, escrita ou falada, parecem não ter função alguma no mecanismo do meu pensamento."
Einstein deixa claro que o processo criativo associa-se à ordenação e organização dos elementos específicos da área de atuação, no seu caso a ciência, a física e a matemática. Outros elementos passíveis de serem manipulados criativamente mas que estejam fora da área de atuação podem servir apenas como estímulos.
Ainda me recordo do impacto que senti quando vi pela primeira vez uma colagem do Tide Hellmeister. Até hoje não compreendi o seu processo criativo. No entanto, tenho sempre a mesma sensação de harmonização e diálogo na forma como ele ordena os elementos envolvidos.
O estímulo sinestésico, talvez emocional, criado a partir da observação da sua obra foi o mote para a criação do meu processo criativo.
Nos encontramos pela primeira vez depois que o CD estava pronto. Ele ouviu atentamente e comentou: "Não compreendo bulhufas o que está acontecendo aqui, mas posso imaginar o que você está propondo, afinal, tudo é colagem."
Não tenho certeza se compreendi o que ele quis dizer.
Decidimos, então, que faríamos um trabalho em conjunto, um 'Toma Lá, Dá Cá' criativo que aconteceria em tempo real, um ao lado do outro.
Este encontro teria sido revelador para a compreensão do imaginar do outro. Penso que, cada um em sua área, revelaria ao outro os procedimentos de manipulação dos elementos específicos. O Grande Criador, no entanto, deixou claro que não seria desta vez.
Sendo assim, continuo a minha labuta em imaginar o imaginar do Tide. Espero um dia perceber que, de fato, tudo é colagem!
________________________________________
Vídeo com a música 'Colagens' e as obras do Tide: http://www.youtube.com/watch?v=AJuOQjlG_nk
Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.
Sobre o editor
Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.
Sobre o Blog
O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.