As palavras de Euclides da Cunha
Por Bernardo Buarque de Hollanda
Ler Os sertões (1902) não é para principiantes. Obra de fôlego, com escrita seca e áspera, atravessá-la requer um equipamento filológico à altura, com o conhecimento dos significados da pletora de sua linguagem arcaica, cujas definições escapam aos que a ela acedem no século XXI. Para tanto, elaborei um apanhado de palavras, que sublinhei à medida que avancei na leitura das três partes constitutivas do livro clássico da literatura e da história brasileiras: "A terra", "O homem"; e "A luta". A fim de facilitar o acompanhamento do vocabulário selecionado, coloco-o em ordem alfabética:
A
– Acólito: auxiliar, ajudante, assistente;
– Adunar: reunir, incorporar em um só, congregar;
– Adusto: queimado, abrasado, muito quente;
– Alambicado: presunçoso;
– Alferes: hierarquia militar;
– Altamaria: que se eleva muito alto, soberbo, altivo, sobranceiro;
– Altear-se: erguer-se, tornar-se mais alto;
– Alvitre: sugestão, opinião, lembrança, arbítrio;
– Anágua: saia usada sob o vestido, de feitios e materiais diversos, curta ou longa, estreita ou larga;
– Anfractuosidade: saliência, depressão ou sinuosidade irregulares;
– Aquilino: diz-se do olhar penetrante como os olhos da águia;
– Arroio: regato intermitente, pequena corrente de qualquer líquido;
– Atavismo: reaparecimento em um descendente, de um caráter não presente em seus ascendentes imediatos, mas sim em remotos;
– Atilado: escrupuloso, correto, discreto, sagaz e elegante;
– Azáfama: muita pressa, urgência, grande afã;
– Azêmola: besta de carga que forma récua com outras;
– Aziago: de mau agouro, infeliz, azarento;
B
– Baluarte: suporte, apoio, sustentáculo, lugar seguro, fortaleza;
– Baraço: corda, cordel;
– Beato: homem muito devoto;
– Bogó: vaso de couro com que se tira água da cacimba;
– Bronco: tosco, áspero, agreste, rude, rústico, inculto, ignorante;
– Brunido: aprimorado;
C
– Cabilda: designação comum a diversas tribos nômades da África setentrional; tribo, bando;
– Cafre: relativo à Cafraria, antigo nome dado à parte da África habitada por não-muçulmanos, e que hoje designa duas regiões da África do Sul;
– Canícula: época do ano em que Sírio está em conjunção com o Sol, grande calor atmosférico;
– Cateretê: dança rural, em fileiras opostas, cantada, cujo nome indica origem tupi, mas que coreograficamente mostra-se muito influenciada pelos processos africanos de dançar;
– Célere: veloz, ligeiro, rápido;
– Chasquear: dizer chascos a, zombar de, escarnecer;
– Cimo: cume;
– Coevo: contemporâneo;
– Cômoro: pequena elevação de terreno, duna, combro;
– Cossaco: soldado de um copo de cavalaria russo, recrutado entre os povos, outrora nômades, das estepes da Rússia;
D
– Dissímil: dessemelhante, desigual;
E
– Eclipse: no caso euclidiano em questão, seria uma distância mediana entre as montanhas ao redor de Canudos;
– Emboaba: nos tempos coloniais, alcunha que os descendentes dos bandeirantes paulistas davam, especialmente nas regiões das minas, aos forasteiros portugueses, e brasileiros de outras origens, que entravam no sertão à busca de ouro e pedras preciosas;
– Epicurista: pessoa dada aos deleites da mesa e do amor;
– Esquadrinhar: examinar minuciosamente, pesquisar;
– Estepe: tipo de vegetação ou de paisagem dominado por plantas pequenas, sobretudo gramíneas, que se encontra em zonas frias e secas. A estepe é característica do norte da Europa, sendo comum também na Ásia, e aparece nos pampas sul-americanos;
– Estrênuo: valente, corajoso, esforçado, forte;
– Esvanecer: apagar, desvanecer, desfazer, dissipar;
F
– Faina: qualquer trabalho aturado;
– Fastígio: o cume, o ponto mais alto, o apogeu;
G
– Galicismo: francesismo;
– Genuflexo: ajoelhado;
– Gnosticismo: ecletismo filosófico-religioso surgido nos primeiros séculos da nossa era e diversificado em numerosas seitas, e que visava a conciliar todas as religiões e a explicar-lhes o sentido mais profundo por meio da gnose; são dogmas do gnosticismo a encarnação, a queda, a redenção e a mediação, exercida por inúmeras potências celestes, entre a divindade e o homem;
– Grei: rebanho de gado miúdo;
– Grimpa: o ponto mais alto, o cocuruto, a crista;
I
– Ignoto: ignorado;
– Impávido: que não tem pavor, destemido;
– Incauto: ingênuo e imprudente;
– Indene: homem que não sofreu dano ou prejuízo;
– Indômito: indomável;
J
– Juazeiro: árvore alta e copada, da família das ramnáceas, característica da caatinga nordestina, de folhas trinérveas, flores pequeninas, fruto drupáceo, amarelo, com polpa édula, e cuja casca é rica em saponina e serve como sabão e dentifrício. Fornece ao gado sombra e alimento, não perdendo a folhagem durante a seca;
L
– Labéu: nota infame ou infamante, mancha na reputação, desdouro, desonra;
– Laconismo: modo breve, conciso e resumido de falar; escrever em poucas palavras;
– Laje: pedra de superfície plana;
– Lázaro: leproso;
– Lídimo: legítimo, autêntico, genuíno;
– Lindes: os limites;
M
– Manelo: pequena porção de coisas que se pode abarcar na mão;
– Mangabeira: arvoreta da família das apocináceas, frequente em cerrados e no litoral nordestino, que produz fruto comestível, a mangaba, e láctea útil na fabricação de borracha, e cujas flores são grandes e alvas;
– Maninho: inculto, bravo, silvestre, não aproveitável;
– Marruá: novilho que não foi domesticado;
– Matula: multidão de gente ordinária, de vadios, corja;
– Monção: época ou vento favorável à navegação;
– Morubixaba: chefe temporal das tribos indígenas brasileiras;
– Mutã: estrado alto ou assento, feito no mato ou na beira da água, no tronco das árvores, para espera da caça ou da pesca;
N
– Nefelibata: quem anda ou vive nas nuvens; literato alambicado que despreza os processos;
O
– Ônix: variedade de ágata entre cujas camadas se observa sensível destaque de cor;
– Ourela: margem, beira, costa;
P
– Patrício: compatriota, conterrâneo;
– Píncaro: cume;
– Potiguar: indivíduo dos potiguares, tribo indígena Tupi, que habitava as margens do Rio Paraíba do Norte;
– Prado: campo coberto de plantas herbáceas que servem para a pastagem; campina;
– Prélio: sinônimo de luta, batalha, combate;
R
– Regatão: vendedor que percorre os rios de barco parando de lugar em lugar;
S
– Sáurios: animais protozoários, cordados, répteis, escamados, de subordem Sáuria;
– Soalheira: a luz e o calor mais intensos do Sol: exposição à luz solar;
– Sopé: base da montanha;
T
– Tabajara: indivíduo pertencente à tribo indígena da serra da Ibiapaba, no Ceará, considerada Tupi;
– Tabaréu: caipira;
– Talisca: uma fenda na rocha;
– Talude: terreno inclinado, rampa, escarpa;
– Tapera: habitação ou aldeia abandonada;
– Taumaturgo: aquele que faz milagres;
– Tijupá: cabana de índios, menor que a oca, choupana, rancho;
– Trigueiro: que tem a cor do trigo maduro, moreno;
V
– Valetudinário: indivíduo de compleição muito fraca, doente ou até inválido;
– Vesânia: denominação comum às várias espécies de alienação mental;
X
– Xisto: designação comum a rochas metamórficas que possuem minerais;
'O Sertanejo é, antes de tudo, um forte'.
Euclides da Cunha.
Edição Final: Guilherme Mazzeo.
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