As palavras de Guimarães Rosa (II): Tutaméia
Por Bernardo Buarque de Hollanda
João Guimarães Rosa lançou o livro de contos Tutaméia – terceiras estórias em 1967, no mesmo ano de seu falecimento. Quando o li pela primeira vez, tive certa dificuldade na compreensão. Considerei-o experimental, em que levou a fundo o projeto de decomposição e de torção das palavras. Lembro-me que à época da leitura recorri ao esclarecedor prefácio de Paulo Ronai, capaz de dirimir muitas de minhas dúvidas.
Tutaméiaapresenta um estilo de narração distinto dos outros livros de JGR. O conto "Antiperipléia", por exemplo, traz interrogações a cada momento. Trata-se de um texto urdido de cabeça para baixo, por assim dizer, ao se estruturar no formato de respostas à interpelação das perguntas.
De todo modo, vamos a seguir acompanhar a pletora do vocabulário do escritor mineiro, entre definições, etimologias e frases:
– Açorado: ávido, sôfrego.
– Alvéolos: cavidade pequena, célula do favo de mel, casulo.
– Azo: motivo, ensejo, pretexto, ocasião.
– Aletria: massa de farinha de trigo em fios delgados, usada em sopas ou preparada com ovos, leite e açúcar; cabeça-de-anjo, fidelinho, fidéus, manjuba.
– Arrulhar: dizer palavras doces, amorosas, em tom meigo; exprimir com ternura.
– Catre: cama de viagem, dobrável, de lona; leito tosco e pobre.
– Cerce: pela parte mais baixa, pela raiz, rente.
– Cimalha: a parte superior da cornija, arquitrave, epistílio, saliência da parte mais alta da parede, onde assentam os beirais do telhado.
– Curimbaba: do tupi, força, valentia, valor, capanga.
– De truz: de primeira ordem, excelente, magnífico.
– Debuxar: delinear, desenhar, traçar, esboçar e bosquejar.
– Delir: apagar, desvanecer, evanescer.
– Dunga: homem bravo, valente.
– Eflúvio: emanação invisível que se desprende de um fluido; efluência, exalação.
– Embotar: fazer perder a sensibilidade; enfraquecer.
– Gamboa: local, no leito dos rios, onde se remansam as águas, dando a impressão de lago sereno.
– Itaipava: itaipaba, do tupi, elevação de pedra; recife de pedra que atravessa um rio de margem a margem, causando o desnivelamento da corrente.
– Limbo: orla, borda, rebordo.
– Mocó: variedade de algodão nordestino, apreciado por ser muito comprido e por ter fibras sedosas.
– Mourejo: trabalho, faina árdua e incessante.
– Muxoxo: beijo, carícia.
– Palustre: alagadiço, pantanoso.
– Pejo: pudor.
– Poranduba: do tupi porã'duba – pergunta, notícia, informação.
– Primícia: primeiros frutos, primeiras produções, primeiros efeitos, primeiros lucros, primeiros sentimentos, primeiros gozos, começos, prelúdios.
– Prisco: antigo.
– Quermesse: do flamengo kerkmesse, do francês kermesse. Feira paroquial celebrada anualmente nos Países Baixos, em grandes folguedos populares.
– Ramerrão: rotina, repetição monótona.
– Seminal: relativo ou pertencente a semente ou a sêmen; produtivo, fértil.
– Surunganga: valente, corajoso.
– Tacho: vaso de natal ou de barro, largo e de pouca fundura, em geral com asas.
– Tisana: cozimento de cevada; medicamento líquido que constitui a bebida comum de um enfermo.
– Venado: que tem veias.
*
"Agora, ao pôr-do-sol, desciam as canoas – de enfia-a-fino, serenas, horizonteantes, cheias de rude gente à grita, impelidas no reluzente – de longe, soslonge". (p. 31)
"… em mãos o rosário e o remo amarelo-venado de taipoca". (p. 31)
"Na casa, que fedia a couros podres, à boca da floresta, Pajão caranguejava". (p. 38)
"Os olhos põem as coisas no cabimento". (p. 42)
"Voando o mais em ímpeto de nau tangida a vela e vento". (p. 47)
"Amanhecendo o sol dava em desverde de rochedos e pedregulho, fazia soledade, de repente, silêncio". (p. 50)
"Deu com miriquilho de vala, ajoelhou-se, bebia água e sol". (p. 51)
"De dia o calor, na regência do sol, as fragas amareladas alumiavam, montanhitância, só em madrugada, só em madrugadas e tardes se sofria o enfrio e vento". (p. 52)
"Mas rebém as lavaredas de canela-de-gema e candeia o aquentavam, permanecido no esconso". (p. 52)
"Iam os cavalos a mais – o céu sol, massas de luz, nuvens drapuxadas, orvalho perla a pérola". (p. 73)
"A gente de levante, a boiada a querer pó e estrada, melindraram-se esticando orelhas os burros de carguejar, ajoujados já com tralha e caixotas". (p. 178)
"Saía-se, na alva manhã, subia-se a Serra". (p. 179)
Edição Final: Guilherme Mazzeo
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.