O Arqueiro - por Vítor Steinberg
Por Vítor Steinberg
Numa exposição em Paris, Godard passeia fumando charuto enquanto é filmado por dois estudantes de cinema. Estão fazendo um documentário para a universidade e correm desesperados, empolgados e destrambelhados para encontrar ângulos e opiniões relevantes. Afinal, estão filmando Godard, uma tarefa complicadinha. Nesse corre-corre, o diretor dá uma lição que, sem dúvida, valerá a íntegra do curso que estudam.
Um dos alunos usa uma câmera digital de visor. Como antigamente, o cinegrafista deve colocar apenas um olho no visor para filmar. Quase como que "entrar" na câmera, mirar, olhar pelo telescópio, fazê-la ser como parte de seu corpo, a câmera vira seu olho, um processo fundamentalmente orgânico. A outra, uma aluna comivida com o evento, filma como uma sony handycam. Aquela que você filma com as duas mãos, de longe, olhando a imagem num monitorzinho móvel.
Godard interrompe o passo e diz:
"Um de vocês está fazendo cinema, o outro nem um pouco! O que acontece é: o negócio do cinema é ponto de vista, ponto de fuga, perspectiva, visão, mira, objetivo, foco, olhar, ângulo. Isso depende de uma escolha e, para tanto, você só pode usar um olho".
A menina com a handycam não está propriamente filmando, está "apenas Sony", nas palavras do diretor.
A seguir o professor explana que os grandes pintores empregaram apenas um pincel para compor as grandes obras-primas. Não é possível pintar com dois pincéis, tarefa que a handycam nos obriga a fazer.
O mesmo vale para iphones, etc. Quando um pintor examina uma paisagem, ele levanta um dedão para regular a perspectiva, um absurdo seria usar as duas mãos, os dois dedões… Como você acerta "a mira" desse jeito? A arte cavalheiresca do arqueiro zen. Assim como o thumb up, de curtir status do facebook, o nosso velho "jóia". Para ser jóia, é preciso ter ponto de fuga, ponto de estresse, ponto de tensão, olhar, visão. Para achar a jóia é necessário ter um olhar.
Aí vem um cara nervosinho que argumenta com o diretor: "mas nós podemos usar com inteligência as novas tecnologias". Para seu azar, toma uma peia: "Não, não podemos. Não podemos".
E Godard sai, fumando…
Instagram do autor @steinberg__
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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