História dos movimentos sociais no Brasil rural
Por Bernardo Buarque de Hollanda
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1918-2018) e Duglas Teixeira Monteiro foram dois pesquisadores que se debruçaram sobre movimentos sociais rurais da história brasileira. Três conceitos básicos da sociologia orientam seus pensamentos: messianismo, sociedades rústicas e anomia. Além disto, o contexto de interseção em que operam a fim de compreender tais movimentos operam abrange também três níveis: o âmbito internacional, o nacional e o regional. Na coluna de hoje, procuro tornar mais claros estes elementos explicitados.
Maria I. P. de Queiroz, quando analisa os movimentos sociais no sertão brasileiro entre o último quartel do século XIX e o primeiro do século XX, reconhece a influência obtida de elementos religiosos da cultura europeia. As crenças sebastianistas, assim como o protestantismo, teriam sido transmitidas e incorporadas ao misticismo sertanejo do nordeste e do sul do Brasil e estiveram presentes na orientação de movimentos como Canudos, Mucker e Contestado.
Nesse último, o livro "Carlos Magno e os 12 pares de França" obteve repercussão sobre a própria organização e a orientação espiritual do movimento. Além disto, o milenarismo, a crença no fim do mundo e a arregimentação do povo em torno de um líder à espera de um messias seriam contribuições da cultura religiosa europeia.
Restringindo-nos à esfera nacional, é possível constatar que algumas transformações empreendidas no país afetaram estas populações. Assim, a adoção da República e o fim da Monarquia constituíram fatores de relevância para diversos momentos, em que o novo regime político representava o Mal, enquanto o que fora derrubado simbolizava o Bem. O Contestado (1912-1916) sofreu em seu curso, mesmo que secundariamente, intervenções de âmbito externo, como a delimitação das terras fronteiriças do Paraná e de Santa Catarina, em consequência do federalismo republicano, além da instalação de ferrovias que expulsava os caboclos residentes das terras.
Um fator básico, segundo os autores, a compreensão desses fenômenos coletivos refere-se à dimensão regional dos movimentos. Desta forma o elemento religioso deriva do eixo econômico deriva do eixo econômico, social, político e geográfico da localidade. A questão da pobreza, da indigência e da ausência de coesão no conjunto da sociedade conduz a uma situação de anomia, sendo esta a propiciadora e desencadeadora dos movimentos rústicos com uma perspectiva religiosa.
A falta de uma conduta moral socialmente edificadora permitiria a constituição de um substrato ideológico ao movimento que enfatiza o retorno a uma vida rigidamente estabelecida. Destarte, Maria Isaura Pereira de Queiroz entende o conjunto destes movimentos coletivos definindo-os como tradicionais, em que a volta ao passado é reivindicadora. Contudo, também cabe a ressalva de que a socióloga paulista em suas classificações tem como orientação o livro de Hobsbawm "Rebeldes primitivos", que analisa movimentos sociais da Espanha e da Itália, segundo a chave reformadora/revolucionária.
De acordo com Duglas Teixeira Monteiro, específicas situações determinam a emergência destes fenômenos religiosos autônomos em relação ao raio de influência que ocupam. No caso do Contestado, assinala o sociólogo da USP a ausência de padres na região ou o seu precário poder de decisão frente à população oprimida. A relação dos líderes desses movimentos ditos rústicos com o poder dos coronéis e com a política também é ressaltada no caso do Padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro.
Por fim, é exposta a ambiguidade de alguns destes líderes, tal como no caso de "Padinho Ciço", pois, ao mesmo tempo em que a Igreja os condena veementemente, eles próprios em suas prédicas enaltecem a instituição.
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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