A formação escolar à luz do funcionalismo e do marxismo.
Por: Bernardo Buarque de Hollanda
Se a educação é tradicionalmente concebida como a passagem de um conjunto de conhecimentos, de códigos morais e de padrões comportamentais, conjunto este transmissível de geração a geração, de mestres a discípulos, pode-se pensar o mesmo processo em relação à instituição escolar na era atual. A escola moderna passa a prevalecer no mundo ocidental com o advento do Iluminismo, no século XVIII, quando as burguesias europeias ascendem ao poder político-econômico e cultural e o indivíduo passa a ser o centro gravitacional da sociedade.
Na história moderna, o ensino religioso, por seu turno, perde terreno de modo gradativo para o saber científico que, como projeto racional e civilizador, vai progressivamente se disseminando. O chamado homo sapiens ganha feições mais precisas nos séculos subsequentes ao "século das luzes", com a universalização da escola. É no seio desta instituição da modernidade que as crianças e os jovens passam a receber as instruções reputadas importantes pela sociedade, entronizando uma série de normas, direitos, enquadramentos e prescrições do convívio social.
Já a Sociologia, ramo do saber científico que emerge no período moderno, nasceu no século XIX, cunhada por Augusto Comte, e desenvolveu-se no século XX. Dos principais pensadores que contribuíram para a formação de seus alicerces conceituais, destacam-se dois: Émile Durkheim e Karl Marx. Foram eles que deram subsídios para a análise sociológica das relações entre escola e sociedade, tais como desenvolvidas a posteriori pelas correntes funcionalista e marxista, respectivamente. Embora o fulcro das ideias dos dois autores seja divergente, ambos concentram-se na exegese das sociedades modernas, ora explicitando o curso histórico que as engendrou, ora decompondo seus elementos constitutivos.
Esse breve preâmbulo nada mais é que a tentativa de situar o debate acerca das conexões entre a sociedade e o mundo escolar. Possui realmente a escola a capacidade de promover a ascensão social dos indivíduos, mediante o reconhecimento dos méritos pessoais? Seria de fato o único objetivo da educação a inculcação do conteúdo de matérias que compõem a grade curricular? A que fins atende a massificação do processo escolar na contemporaneidade? Não envolve o mecanismo irrestrito de escolarização o fenômeno sub-reptício da socialização dos indivíduos, mais forte, por exemplo, que a socialização promovida pela família?
A fim de refletir sobre essa série de questões em que se insere a problemática educacional contemporânea, recorremos pontualmente aqui às correntes funcionalista e marxista. O funcionalismo durkheimniano, que se desenvolveu não só na Sociologia mas também na Antropologia, com Bronislaw Malinowski, e que teve adeptos entre os sociólogos estadunidenses, como Robert Merton e Talcott Parsons, entende a sociedade à maneira de um organismo biológico, um sistema vital em que cada parte, cada órgão possui a sua função. Na medida em que eles se complementam, ensejam a reprodução da totalidade social. Além disto, outra viga mestra dos funcionalistas é a ideia de que o fato social é exterior e superior ao indivíduo, capaz, portanto, de instalar-se sobre ele e de produzir coesão.
Nesse âmbito, é possível compreender o lugar da escola no processo de integração metódica dos indivíduos, mormente crianças e adolescentes, pois para o funcionalismo é esta instituição que incutirá, para além da mera instrução, um conjunto de valores, ideais, sentimentos e práticas caros às gerações mais avançadas nos jovens das faixas e dos estratos etários mais novos. Sem esses princípios transmissores e socializadores, a sociedade não se perpetua nem se reproduz, franqueando a anomia da coletividade e o futuro esgarçamento das relações sociais.
A perspectiva marxista acerca da escolarização e da sociabilidade enquadra-se em outra percepção da estrutura e da dinâmica sociais. A sociedade industrial baseia-se primordialmente na divisão entre a classe burguesa, proprietária dos meios de produção, e a classe proletária, cujo único bem é a sua força de trabalho. Essa clivagem permite o movimento dialético na esfera da indústria, que por sua vez, à medida que se aprofunda, aguça a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção.
Como entender a escola à luz desse contexto em que o mundo fabril e as relações materiais de produção são a força motriz da sociedade? Uma das respostas aventadas pelos marxistas sugere que há uma homologia e um isomorfismo entre as relações sociais capitalistas e o sistema escolar. A educação seria a instância de mediação entre o indivíduo e a sua inserção no mundo do trabalho, mais precisamente, na hierarquia da empresa moderna.
O tempo despendido na escola pela criança e pelo jovem teria a função precípua de adequar o comportamento infanto-juvenil aos moldes requeridos pelo ritmo e pela escala produtiva industrial. As características introjetadas ao longo desse período estão em consonância com a ordem, a autoridade, a submissão, a passividade, a burocracia e a impessoalidade. Como um futuro operário inserido na fábrica, o aluno em sala de aula mimetiza o seu comportamento "alienado", visto que ele apenas fragmentariamente tem noção dos fins a que se destinam o seu destino e quem determina a pedagogia vigente.
Edição Final: Guilherme Mazzeo
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