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GV CULT - Criatividade e Cultura

O Iluminismo em questão

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06/11/2018 06h25

Por    Bernardo Buarque de Hollanda

"… seriam as ideias iluministas um ponto de chegada do Renascimento ou um ponto de partida da modernidade?"  –  Pintura  Joseph Wright 'of Derby'

Pergunta-se Geoffrey Hawthorn, em seu livro Iluminismo e dúvida: seriam as ideias iluministas um ponto de chegada do Renascimento ou um ponto de partida da modernidade? Se é possível conhecer a perfeição das leis da natureza, como fez a Revolução Científica do século XVII, os philosophes acreditaram ser possível conhecer as leis da sociedade e dotar o mundo social da mesma perfeição que o mundo natural. Eis a missão precípua da filosofia francesa: mais do que refletir sobre o conhecimento, ela buscava reunir e sistematizar todo o conhecimento humano universal produzido até o século XVIII, de modo a irradiá-lo para todo o globo e transmiti-lo sob a forma da universalização do saber e da educação.

Como isto se deu? Através da Enciclopédia, publicada a partir de 1751 por Diderot e D'Alambert em mais de 30 volumes. Robert Darnton, historiador norte-americano, que estudou a história da publicação, critica tal marco, bem como o arcabouço da filosofia das ideias, que deixa de lado a base material e os processos concretos de produção de uma obra. Com isto, desconstrói certa visão imaculada dos intelectuais que escrevem numa torre de marfim.

Um certo esquematismo histórico costuma apresentar na Europa a Revolução Científica e aquilo que aconteceu entre os séculos XV e XVIII como um progressivo embate entre Fé, de um lado, e Razão, de outro. Nada mais esquemático e simplificador.  De fato, o Iluminismo lutou com todas as suas forças contra a superstição e o obscurantismo, mas é preciso frisar como, desde a Renascença, a lei natural e a lei divina estão separadas, porém integradas.

O argumento central de Hawthorn é o de que há um deslocamento sutil no discurso que equaciona Deus, Natureza e Razão, de maneira que o primeiro elemento, antes separado e anterior ao segundo, passa pouco a pouco a ser expressão deste, o que justifica e autoriza o conhecimento divino por intermédio do conhecimento divino. Foi observado também que não é possível pensar numa homogeneidade exclusiva francesa em relação ao Iluminismo, posto que há inúmeras variáveis importantes a serem consideradas, sobretudo três:

  1.                 A) O privilégio no racionalismo, com a elaboração de quadro conceituais e sistemáticos dedutivos, versus empirismo, em que a realidade empírica permite a indução e a generalização de teorias;
  2.                 B) As diferenças religiosas na Europa, entre católicos e protestantes;
  3.                 C) As tradições políticas de cada país, com o predomínio seja da nobreza no caso francês, seja da burguesia no caso inglês.

Dito isso, o autor busca pensar as teorias sociais formuladas pelos autores ligados ao Iluminismo, como Montesquieu e Rousseau, que fornecem respostas a uma pergunta fundamental: se a natureza é uma expressão divina e se cabe ao homem conhecer a natureza, qual o lugar do Homem na Natureza?

Isso implica em uma antiga questão moral, junto a uma questão científica. Montesquieu, nobre barão de uma província francesa, em O Espírito das Leis, se propõe a pensar a existência de uma lei e de uma justiça universais, mas percebe que as variações locais implicam em leis e justiças particulares. As variantes locais derivam de diferenças manifestadas no temperamento entre os homens, por sua vez originadas das oscilações naturais, em fatores como o clima. Tem-se aí esboçada uma distinção entre o universal e o relativo, ainda que do ponto de vista climático.

O lugar do homem na natureza, segundo o sistema rousseauniano, está relacionado à ideia de um contrato social e de uma liberdade civil, que entende não ser mais possível um refúgio na natureza primitiva do homem selvagem. Embora seja o homem corrompido pela sociedade, enquanto um "bom selvagem" vive à margem dela, sem seus vícios, a humanidade passou por 4 estágios, a partir dos quais conheceu a moral, o bem e o mal, e não cabe regredir a um passado idílico, nem é possível simplesmente abolir o mal. A relação do homem com a natureza por abrir mão de suas vontades meramente instintivas e individualistas e fundar uma ordem social em que o ser humano seja consciente de seus direitos e deveres para com o outro e para consigo mesmo.

Edição      Enrique Shiguematu

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.