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GV CULT - Criatividade e Cultura

José Olympio: a livraria e a editora

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05/09/2017 06h02

Por    Bernardo Buarque de Hollanda

Começa por conseguir emprego na Casa Garraux, aos quinze anos de idade, como caixeiro. Desta livraria, em pouco tempo, se tornará gerente.

Nas primeiras décadas do século XX, as dificuldades de comunicação e de circulação de livros comprometiam a atividade das grandes casas editoriais do período, inspiradas no modelo francês, como a Garnier, a Laemmert e a Francisco Alves. Com a depressão mundial de 1929, a primeira editora vai à bancarrota. A fragilidade comercial ainda era evidente em outros casos e explicava o curto tempo de vida das editoras. A Andersen Editores, outro exemplo, fora fundada em 1930 pelos irmãos Hersen e Adolfo Aizen e duraria apenas quatro anos depois de publicar Menino de engenho, de José Lins do Rego.

Em São Paulo, as iniciativas editoriais de Monteiro Lobato (1882-1948) foram pioneiras. O famoso criador do personagem Jeca Tatu publicava autores inéditos como Lima Barreto, dirigia um periódico – a Revista do Brasil – e divulgava a mitologia clássica greco-romana e o folclore nacional para o público juvenil, através da coleção Sítio do Pica-pau Amarelo, iniciada em 1921. Além de se tornar em breve campeão de vendas, em 1925, Lobato criou a Companhia Editora Nacional e utilizou os correios para ampliar o mercado livreiro. Tudo isto com o intuito de popularizar o livro, a literatura infantil e o hábito da leitura como um todo no Brasil.      

A dimensão familiar do universo editorial vinha estampada no próprio nome das editoras, como foi o caso da importante Irmãos Pongetti, de propriedade do jornalista e dramaturgo mineiro Henrique Pongetti (1898-1979), criador do Anuário Brasileiro de Literatura. Já a editora José Olympio, familiarmente conhecida como a 'Casa' pelos escritores contratados, seria dirigida por José, em parceria com seus irmãos Daniel e Athos Pereira.

Nascido em Batatais, no Oeste paulista, perto da Brodósqui de Portinari, José Olympio vai conhecer uma carreira de ascensão social no comércio de livros. Começa por conseguir emprego na Casa Garraux, aos quinze anos de idade, como caixeiro. Desta livraria, em pouco tempo, se tornará gerente.

Por meio do cargo, estabelece fortes ligações com intelectuais e políticos paulistanos. Anos depois, compra a biblioteca de Alfredo Pujol na capital paulista, uma das maiores coleções particulares de livro do país.              

Em outubro de 1931, José Olympio inaugura em São Paulo uma livraria que leva seu próprio nome, situada na Rua da Quitanda, número 19. O cenário institucional pós-1930, no entanto, dificulta a situação político-econômica do estado. Esta se agrava em 1932 com a Revolução Constitucionalista, que deixa o insurgente estado de São Paulo ainda mais isolado. Isto se reflete na queda dos negócios de José Olympio, que investia nessa ocasião na compra de livros importados.

O livreiro decide então transferir seu empreendimento em 1934 para o Rio de Janeiro, no coração do poder político nacional. A inauguração do estabelecimento – na entrada, as letras em art déco encimavam o nome "Livraria José Olympio Editora" – ocorre no mesmo ano, na Rua do Ouvidor, número 110. Inaugurada a três de julho de 1934, no centro da cidade, ela permanecerá por mais de vinte anos, até trinta de setembro de 1955, quando se transferiu para a Rua Marquês de Olinda, em Botafogo.

A livraria é assim descrita pela jornalista Lucila Soares, neta do editor:

"A loja era adequada à instalação de uma livraria – comprida, com o pé direito alto e um portal ladeado por duas vitrines. A localização não podia ser melhor. No Rio de Janeiro da década de 1930, a Rua do Ouvidor não tinha mais a concentração das casas de moda, barbearias, cabeleireiros e cafés que, no final do século XIX, lhe dava a aparência de um clube ao ar livre. Entretanto, continuava sendo endereço muito atraente para quem quisesse abrir um negócio. Principalmente uma livraria. A rua sempre foi uma das preferidas dos alfarrabistas e livreiros".  

O acerto da transferência da livraria de São Paulo para o Rio de Janeiro é corroborado pelo acadêmico Marcos Antônio Villaça: "O seu lugar era o Rio. Em 1933, publicou só oito livros. Em 1934, já publicou trinta e dois. Em 1935, cinquenta e nove. Em 1936 sessenta e seis títulos. Era já o maior editor do Brasil".

Tratava-se de uma época em que a crítica literária ainda não se havia especializado em nível acadêmico e não chegara às universidades. Eram escassos também as faculdades, os institutos, as bibliotecas e os centros culturais na cidade. Por isto, a crítica ocupava principalmente o espaço das redações de jornal, dos cafés e das casas editoriais. Com efeito, ela possibilitava a criação de laços de amizade e de simpatia entre os escritores e os críticos, sendo a editora a instância central de encontro e mediação do mundo literário.

Na década de 1930, o editor-livreiro investirá em romances nordestinos, como o paraibano José Américo de Almeida. Este autor já revelava a preocupação de documentar o drama coletivo do homem nordestino, o que mais tarde vai marcar a sua atuação na vida pública – foi governador, senador e ministro de Vargas – assim como a sua criação literária, com A bagaceira, um divisor de águas na literatura de temática regional. De todo modo, a projeção editorial oferecida e impulsionada por José Olympio no Rio de Janeiro possibilitou o êxito na construção dessa identidade entre romancistas nordestinos e permitiu inclusive aquilo que o historiador Durval Muniz de Albuquerque chamou de a "invenção do Nordeste".

Graciliano Ramos, conforme descreve Lucila Soares, formava um duo com José Lins do Rego na livraria:

"No apagar das luzes da década de 1930, a roda de escritores seria uma das principais atrações da Ouvidor 110 e podia ser sintetizada de Graciliano e José Lins do Rego. Dois homens diferentes em tudo. Um magro, introvertido e seco, econômico com palavras tanto nas conversas como nos romances, sempre sentado no mesmo banco, fumando seu cigarro Selma (…) O outro gordo, falante, sentimental, verborrágico, envolvido em grandes discussões e às voltas com a aceleração de seu pulso, que media compulsivamente (…) os dois juntos se tornaram a cara da José Olympio, onde eram os mais fiéis frequentadores, os que recebiam mais cartas, os mais requisitados para entrevistas e autógrafos, os que atiçavam as fantasias dos aspirantes a escritores".  

Uma inovação de ponta de José Olympio à frente de seu empreendimento serão as coleções. Ao longo das décadas, a coleção Documentos Brasileiros vai ter destaque, sob a coordenação inicial de Gilberto Freyre. Além do sociólogo, mencione-se a coordenação de Afonso Arinos de Melo Franco, a partir de 1959, autor do ensaístico O índio brasileiro e a Revolução Francesa (1938) e de Otávio Tarquínio de Souza, coordenador entre 1939 e 1959, responsável por biografias de fôlego, como as de vultos políticos do período imperial, subdivididas em dez volumes: História dos fundadores do Império do Brasil.

Quanto ao período da Primeira República, ganha destaque nessa coleção a biografia sobre o Ministro das Relações Exteriores, o diplomata Rio Branco, escrita por Álvaro Lins. A propósito, o gênero biográfico encontraria grande acolhida na editora, com a publicação das histórias de vida de personagens como o regente Carlos Gomes, o aviador Santos Dumont e o compositor de óperas italiano Bellini.

A editora também se incumbiria de fazer livros de cunho ideológico e oficial. Criou uma coleção intitulada Problemas políticos contemporâneos, onde figuravam nomes do integralismo brasileiro, como Plínio Salgado e Miguel Reale. O cultivo de relações amistosas com o governo federal, na figura do todo-poderoso presidente da República, resultou em patrocínios do Departamento de Imprensa e Propaganda (o DIP), polêmico órgão do Ministério da Educação, e na publicação, em onze volumes, da obra A nova política do Brasil, lançados entre 1938 e 1947. A longa série de discursos, compilada por José Olympio, credenciaria Getúlio Vargas à candidatura e à vaga na Academia Brasileira de Letras.

 

Edição      Enrique Shiguematu

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.