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GV CULT - Criatividade e Cultura

Os anos de formação de José Lins do Rego (III)

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25/07/2017 06h14

Por    Bernardo Buarque de Hollanda

A produção duplica ao longo do decênio, conquanto a média salarial dos operários seja inferior à dos trabalhadores do sul do país.

Em 1929, ano do crash da bolsa de Nova Iorque, que afetou o sistema financeiro do mundo, José Lins do Rego tinha 28 anos de idade. Mesmo a crise econômica internacional daquele ano não comprometerá a hegemonia dos usineiros. Na década seguinte, o jornalista Barbosa Lima Sobrinho vai presidir o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e assina o Estatuto da Lavoura Canavieira, ambos criados logo no início do governo de Getúlio Vargas.

Em termos históricos, no Nordeste, as usinas datam de 1875. O problema da usina já vinha sendo tratado desde fins do século XIX em Pernambuco, durante o governo Barbosa Lima (1892-1896). Máquinas, técnicos e escolas inspiradas em centros agrícolas europeus eram trazidos, a fim de responder às demandas da expansão mundial da indústria do açúcar. Com o caminho pavimentado, o predomínio das usinas sobre os engenhos de banguê ganha contornos definitivos na virada dos anos 1910 para os 1920.

Nesse decênio, por exemplo, dois núcleos usineiros se destacam em Pernambuco. A Usina Catende e a Estação Experimental de Barreiros são dois polos que ganham em pujança e produtividade. A produção duplica ao longo do decênio, conquanto a média salarial dos operários seja inferior à dos trabalhadores do sul do país. As exportações decrescem e a venda cai.

A produção passa a atender o mercado brasileiro do centro-sul do país, o que mostra, segundo o economista Paul Singer, como o Nordeste se desvinculava da divisão internacional do trabalho e se integrava à esfera nacional. A concorrência desloca-se, por conseguinte, para o domínio interno. Os antigos estabelecimentos açucareiros ou são abandonados ou perdem autonomia e tornam-se dependentes das usinas, com mais de 60% de sua cana sendo vendida para os novos centros produtivos.

A ampliação da parte agrícola das usinas acentua a disputa entre a nova burguesia usineira e o antigo patriarcado rural. Este consiste agora num mero fornecedor de cana – um baronato de cerca de dois mil senhores de engenho é reduzido a essa condição de casta em agonia.

No quadro econômico nacional dos anos 1920, a despeito da diversificação de grãos e produtos cultivados no país; apesar da venda dos frutos da terra – açúcar, borracha, cacau, erva-mate, fumo e pinho; e em que pese o avanço da indústria têxtil nas grandes cidades, o café continua a ser o pilar de uma economia ainda baseada na agroexportação.

Embora a autonomia dos Estados gerasse dividendos no exterior apenas em nível regional, o que beneficiava, sobretudo, São Paulo, o colapso causado pelo excedente e pela superprodução, após o craque da bolsa de Nova York (1929), afetará toda a nação e a impulsionará de vez à industrialização e ao início de uma política de substituição de importações.

É nesse contexto de transição que o jovem José Lins amadurece suas ideias e leituras. Uma de suas referências é então Augusto dos Anjos, conterrâneo que estudara no Liceu Paraibano, a mesma escola de José Américo de Almeida (1887-1980), de quem foi contemporâneo. Estes dois, no entanto, receberam em sua juventude a influência do determinismo biológico e do decadentismo fin-de-siècle, típicos da virada do Oitocentos para o Novecentos, quando os engenhos ainda eram pujantes.

O futuro poeta também se formara, como José Lins, na Faculdade de Direito do Recife. Nela, fora leitor de Spencer, Haeckel e Schopenhauer, antes de se tornar professor. Como muitos outros, a conversão de Augusto dos Anjos, e depois de Lins do Rego, ao bacharelismo jurídico foi a saída encontrada por esses filhos da aristocracia açucareira para superar a crise familiar.

É o próprio Augusto dos Anjos quem recorda o ambiente universitário e o esvaziamento dos engenhos: "Os exames na Faculdade. Os primeiros versos publicados revelavam o filho do doutor Alexandre. Os irmãos estão agora em cursos superiores e a casa-grande cada vez mais vazia e mais fria. (…). Um banco do Recife avança sobre o engenho triste. As lições do doutor criavam bacharéis, mas não faziam safras rendosas. O doutor estava pobre, como Job.".

Edição      Enrique Shiguematu

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.