Topo

GV CULT - Criatividade e Cultura

Georg Simmel: a filosofia de um sociólogo

GVcult

30/08/2016 06h32

Por    Bernado Buarque de Hollanda

As aulas na pós-graduação, no primeiro semestre de 2016, fizeram-me lembrar da época em que eu mesmo era um pós-graduando. Isto já faz muito tempo. Foi no longínquo ano de 2001 que iniciei meu mestrado na PUC do Rio de Janeiro, no Programa de História Social da Cultura. Lembro que, no primeiro ano, fiz dois cursos com o professor Luiz Costa Lima, que eu não conhecia pessoalmente, mas cujos textos no Caderno Ideias, do finado e saudoso Jornal do Brasil, impressionavam-me pela densidade teórica.

Resultado de imagem para georg simmel

o interesse de Simmel pela arte fazia com que houvesse, no cotejo entre os fenômenos urbanos de cidades alemães e cidades italianas, a passagem de uma "sociologia do espaço" da metrópole moderna para uma "filosofia da paisagem" da cidade antiga, ainda não tocada de todo pelo fenômeno industrial.

Uma das disciplinas ministradas por Costa Lima tinha por ementa a obra do sociólogo alemão Georg Simmel (1859-1918), que eu conhecia minimamente da graduação em Ciências Sociais. Mas a proposta do professor então era distinta da abordagem sociológica: tratar Simmel como um filósofo, antes de um sociólogo, empenhado em seu tempo na superação das questões metafísicas tradicionais e no enfrentamento filosófico de temas palpitantes da modernidade, o que incluía temáticas tão díspares quanto o dinheiro, a aventura, a moda, o estilo de vida e o amor.

O curso valia-se ainda de uma novidade no universo editorial brasileiro, pois havia pouco se publicara o instigante e alentado livro do professor Leopoldo Waizbort. A obra, intitulado As aventuras de Georg Simmel, pela Editora 34, contava com quase seiscentas páginas. Recordo-me que vasculhar os escritos de Simmel em publicações menos conhecidas no Brasil levou-me a temas tais como: o homem e a paisagem. Este vezo encontrei-o em três ensaios da edição espanhola El individuo y la libertad: ensayos de crítica de la cultura. Era eles: "Filosofía del paisaje", "Los Alpes" e "Las ruínas".

Hoje minha lembrança é de que a especulação da natureza vinha de par com um interesse pela filosofia da arte e por personalidades artísticas da Europa moderna. Simmel evidenciou tal interesse numa ensaística devotada a Rembrandt, a Rodin, a Goethe, entre outros. Sendo assim, a meu juízo, os textos configuravam uma reviravolta na apreciação de uma leitura simmeliana que insistia em sua análise da metrópole, em particular da Berlim do Segundo Império, na qual o autor vivera por quase sessenta anos de sua vida.

Mesmo a sociologia urbana e o seu objeto "cidade" ganhavam novos contornos quando vistas no quadro mais amplo da produção desse intelectual de origem judia. Basta observar suas reflexões estéticas sobre as cidades italianas, com especial atenção dedicada a Roma, a Veneza e a Florença. Assim, parecia-nos que o interesse de Simmel pela arte fazia com que houvesse, no cotejo entre os fenômenos urbanos de cidades alemães e cidades italianas, a passagem de uma "sociologia do espaço" da metrópole moderna para uma "filosofia da paisagem" da cidade antiga, ainda não tocada de todo pelo fenômeno industrial.

Fui bastante afetado pelas leituras aludidas acima, em particular pelos textos acerca da "arquitetura das ruínas" e da "pintura dos Alpes". Deu-me a impressão de que havia, naqueles apontamentos, uma nova perspectiva sobre o homem. Em poucas palavras, os conflitos humanos, frutos da tragédia de uma cultura objetiva que se afastava de maneira progressiva e irreversível da cultura subjetiva, não resultavam nos ensaios tardios simmelianos da expansão teleológica da economia monetária, tal qual procurou demonstrar este autor em A filosofia do dinheiro (1900), nem do rompimento com os modelos da arte clássica renascentista, conforme sustenta o mesmo intelectual em Rembrandt, ensaio de filosofia da arte (1916).

Minha intuição foi a de que os fragmentos consagrados às ruínas e às montanhas alpinas sugeriam um embate entre o espírito humano e as forças da natureza. Estas últimas eram, no limite, entendidas como potências cósmicas universais, capazes, pela sua pujança e magnitude, de oferecer uma nova dimensão ao homem.

Nessa dimensão, há uma diferença de escopo entre paisagem e natureza. Mais estrita, a definição simmeliana de paisagem é condicionada pela emergência do artista moderno e, em especial, pela pintura paisagística. Se ampliarmos a concepção de paisagem para a de natureza, aí sim Simmel faz transcender a análise do sujeito – aqui representando na figura do pintor – em favor da sondagem do Ser, própria do modo de especulação do pensamento filosófico germânico.

Estava-se assim, conforme proposto por Costa Lima ao longo daquele curso ministrados há quinze anos atrás, diante de uma abordagem que privilegiava Simmel no âmbito da filosofia, preocupado não apenas com a tragédia da cultura moderna, mas sobretudo com a tragédia cósmica do homem.

 Edição      Enrique Shiguematu

Bernardo-Buarque-de-Hollanda-1024x213

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.