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GV CULT - Criatividade e Cultura

Instituto Inhotim: Arte Contemporânea e Experiência Sensorial

GVcult

05/08/2016 17h53

Giovanni Iuliano Meira

Gabriel Pinedo

Aberto ao público no ano de 2006, e sugerindo um casamento entre natureza, arquitetura e arte contemporânea, o Instituto Inhotim nasce com a proposta inicial de compartilhamento da experiência artística provocada pelas obras que Bernardo Paes, empresário da mineração, acumulou em sua fazenda, localizada na cidade de Brumadinho. Carregado de história e simbolismo, o terreno provém desde a época da escravidão, sendo seu nome a expressão de um dos antigos senhores de escravos da região, inglês conhecido popularmente como "Nhô Tim", reconhecido pela suposta bondade que tinha para com os escravos.

A fazenda Inhotim assim preserva traços de sua história, como a casa-grande e a casa de escravos, com seus registros que beiram a um relato de contos populares. Rodeado por paisagens espetaculares e por galerias pensadas de forma integradora, o Instituto também possui como aspecto singular os jardins botânicos, que carregam um leque de espécies, assim como dão um aspecto de leveza que se contrapõe à natureza bruta e intocada que é parte do local.

Sendo assim, o aspecto de intervenção humana através da arquitetura também é pensado de forma tal a se integrar com o espaço natural. Isto é visível principalmente quando buscamos a associação de algumas galerias, como a da artista Lygia Pape, feita com vistas a ser coberta por plantas. Ou a galeria Miguel Rio Branco, que em um primeiro momento nos traz a sensação de ser uma rocha crescendo para fora de um aclive, cercado de natureza bruta. Ela também foi pensada na sua composição de chapas de aço a se incorporar ao espaço natural e a escancarar seus impactos da ação humana como, por exemplo, através da corrosão do aço que cobre a estrutura.

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Galeria Miguel Rio Branco; Instituto Inhotim; 2015.

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A integração Natureza Arquitetura; Instituto Inhotim; 2015.



Pensada pela primeira vez para ser exposta em local aberto, montada inicialmente em 1989, numa fábrica abandonada na Bélgica e hoje exposta no Instituto Inhotim, dentro da galeria que carrega o nome do autor Cildo Meireles, Através é uma obra que nos convida a desbravar barreiras como grades, arames, persianas, telas e até mesmo um aquário em busca do núcleo de nossos objetivos, representado pelo montante amorfo de celofane. Este encontra-se localizado no centro da sala, de forma a atrair todo o jogo de luzes para si, em uma perspectiva que num primeiro ato traz um receio e logo após uma ânsia pelo objetivo final.

O caráter provocador da obra, no entanto, é afirmado através da cobertura de vidro estilhaçado, que recobre todo o chão e o caminho daqueles que ousam alcançar o centro, gerando um som no mínimo perturbador que marca as barreiras atravessadas pelos nossos passos. Mais uma marca de expressão da função latente e implícita da obra. Como o próprio autor descreve a sua ideia central, trata-se de "… uma espécie de labirinto feito com objeções de interdição simbólica ou concreta". Em seguida, ressalta que o seu resultado final aponta para coisas o qual não tinha imaginado em seu processo de elaboração, reforçando seu caráter orgânico e mutável de expressão.

Semelhantes à obra de Cildo Meirelles, as fotos do Pelourinho, em Salvador, no bairro de Maciel nos anos 1970, de autoria de Miguel Rio Branco, apontam para uma paleta de interpretações sobre as fotografias que dispõem sua função manifesta e explícita de chocar. Ela são organizadas de forma tal em que seus conteúdos variam de crianças, passando por prostitutas e chegam a cafetões. As imagens dialogam em uma narrativa que reafirma o sentido humano do cotidiano, em um lugar que é fruto do descaso governamental na Bahia. Para a realização da série, o autor estabeleceu uma relação em que os fotografados recebiam suas fotos em monóculos, o que contribuiu para o resultado final que mescla espontaneidade, cotidiano e intimidade.

A narrativa de ambas as obras evoca características típicas da arte contemporânea, caracterizada pela ausência de um roteiro formado. Ou seja, elas se constroem através da atribuição de sentido do indivíduo que por ela embarca e configuram assim um discurso polifônico e democrático. No caso de Através, a atribuição do sentido das barreiras e dos planos sobrepostos em nossa análise se configuram como a construção humana inconsciente. Apesar de enxergarmos nossos objetivos, apesar de conseguirmos ir ao núcleo, os planos que criamos distorcem e muitas vezes nos fazem optar por outras rotas durante a caminhada até o centro.

Ainda assim, os resquícios das barreiras que quebramos nos assustam e muitas vezes nos induzem a voltar. Outro aspecto interessante é o aquário, que também nos transmite a caixa que protege, mas limita, a vivência do peixe de vidro indiano. No final, ele acaba por se configurar como mais uma barreira no espaço e contribui para a dinâmica de visitação em grupo, como o monitor da visita ressaltou: "As pessoas costumam andar sempre juntas na obra, ou seja, mesmo a sociedade sendo cruel, não conseguimos viver fora dela, não deixamos de ser humanos".

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Através; Galeria Cildo Meirelles; Instituto Inhotim. 2015.

De forma análoga, a obra de Miguel Rio Branco, no choque causado, mostra uma realidade presente na nossa sociedade para a qual não nos atentamos ou até mesmo fingimos não ver:: a pobreza extrema e a sua casualidade de degradação, seja do ambiente, seja do próprio ser humano. Ao mostrar o incômodo e a sensualidade crua, reafirmados também pela disposição das obras na galeria onde, dependendo da ordem em que são visualizadas as fotografias, temos um crescente ou um decrescente do impactante e desagradável, o artista foge da concepção clássica da arte, na busca dos ideais do belo e do perfeito.

O caráter de reprodução do não desejado e da supressão do "ideal", com a possibilidade da reprodutibilidade massiva a princípio não permite qualquer ligação com o tradicional. Porém, mesmo sendo possível a reprodução em massa da arte por meio da fotografia, o artista escolheu integrá-la ao ambiente do museu.

É possível traçar aqui uma crítica, se seguirmos o ponto exposto por Walter Benjamin em seus escritos sobre arte: o artista, tendo a opção de ser revolucionário e propor para as massas o acesso à cultura reproduzindo sua arte de forma massiva, escolhe uma concepção conservadora de proporcionar pouco acesso para as fotografias. Este acaba restaurando, de uma forma peculiar, a "aura" do original às suas obras, quando não dá margens à crítica da estetização da pobreza por muitos.

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Fotos Série Maciel; Galeria Miguel Rio Branco; Instituto Inhotim; 2015

Apesar das críticas sociais presentes nas duas obras aqui analisadas, além de tantas outras encontradas no museu, é necessário pontuar que a arte é ainda um meio de cultura altamente elitizado. Ao contrário do imaginado por Walter Benjamin, o que se encontra em Inhotim é a figura caricata do que o filósofo criticava. É possível ainda traçar uma ponte com o estudo feito por Pierre Bourdieu em O amor pela arte. Nele, o autor expõe o perfil dos frequentadores de museus em alguns países europeus nos anos 1960, cuja grande maioria faz parte das altas classes sociais e/ou daqueles que possuem maior escolaridade.

Embora haja diferenças culturais e sociais, pode-se estabelecer um paralelo e perceber que o perfil dos frequentadores de museus no Brasil não deve fugir muito dos dados levantados por Bourdieu.

A elitização da arte em Inhotim começa pela relação entre o Instituto e a cidade de Brumadinho. Os altos preços praticados dentro do museu também acabam por repercutir na cidade e na especulação imobiliária, reflexo das compras de terrenos por valores exorbitantes, praticadas pelo proprietário, o que elevam o preço do metro quadrado a um valor incompatível com a cidade do interior mineiro.

Os projetos de construção de um hotel e de um shopping center dentro das dependências do museu, transformando o local numa "Disneylândia da arte", transformam Inhotim num ambiente ainda mais segregado. A tentativa de inclusão da população local por parte do museu, como tornar as quartas-feiras abertas para visitas gratuitas, não é de fato uma medida efetiva, pois é feita num dia em que a maior parte da população trabalha. Esta acaba por não ter acesso nem condições para conhecer o complexo de Inhotim. Não se sentem à vontade para tal, haja vista os muros invisíveis e o efeito elitizador da arte.

Walter Benjamin imaginava a arte como instrumento de revolução. Uma arte presente em todos os lugares e à qual as massas também teriam iguais oportunidades de acesso. Assim, apesar de todas as críticas e reflexões apresentadas nas obras de Inhotim, é nítido que a arte ainda é de propriedade de uma elite econômica e cultural que não possui a preocupação de compartilhar tais maravilhas com o restante da população. Não é, portanto, democrática, tal como se espera das representações do imaginário humano, essenciais para alimentar e desenvolver qualquer sociedade.

Edição      Enrique Shiguematu

Giovanni Iuliano Meira e Gabriel Pinedo são alunos de primeiro período de graduação do curso de Administração Pública, da Fundação Getúlio Vargas (São Paulo, Turma 8, FGV-SP). Este trabalho foi realizado na disciplina "Sociedade & Representação: o Brasil através das Artes", ministrada pelo professor Bernardo Buarque em 2016.1, após visita ao Instituto Inhotim – Centro de Arte Contemporânea, na cidade de Brumadinho, Minas Gerais.

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.