Natureza e literatura em José Lins do Rego (I)
Por Bernado Buarque de Hollanda
No início mês, mais precisamente no dia 07 de maio, tive a oportunidade de conhecer as ruínas do Engenho São Jorge dos Erasmos, localizado na cidade de Santos. Trata-se de um monumento nacional, tombado pelo Patrimônio Histórico, tido por ser, se não o primeiro, um dos mais antigos engenhos açucareiros da América Portuguesa, construído em 1534, na antiga capitania de São Vicente.
Para a visita, tive a alegria de ser recebido pelo pesquisador Rodrigo Christofoletti, da Universidade de São Paulo, responsável, entre outras atividades, pela programação cultural deste sítio arqueológico e histórico. O mote para minha ida ao local foi uma conversa com o público frequentador sobre o engenho na obra romanesca do escritor José Lins do Rego (1901-1957), conhecido por seu Ciclo da Cana-de-Açúcar.
A apresentação fez-me volver ao universo zeliniano, que me é muito caro, e motivou-me a escrever sobre o autor aqui nesta coluna do GV Cult. Assim, no texto de hoje, tecerei breves considerações de ordem físico-geográficas sobre o Nordeste açucareiro que Zé Lins conheceu, com uma descrição pontual da região em que a economia agroexportadora inscreveu seu modo de produção. Já na coluna da próxima quinzena, deter-me-ei no relato em torno do modo pelo qual a natureza fez-se representar na trama ficcional do autor em tela.
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A história da ascensão e queda do açúcar no Nordeste, e na Paraíba em particular, é uma das chaves para a compreensão do poder social e político dos grandes proprietários de terra na economia local. Sua presença vai exercer um forte impacto no imaginário nacional e serve, portanto, para compreender o lugar de onde escreve o escritor José Lins do Rego, cuja família detinha vastas propriedades açucareiras no estado. Síntese histórica de quatro longos e lentos séculos, o açúcar remonta, pois, aos primórdios da colonização do Brasil.
A cana-de-açúcar deve ser compreendida também à luz dos aspectos ecológicos e climáticos da região. Visto de forma panorâmica, o açúcar se restringiu a uma pequena parte da superfície territorial nordestina, situada na parte úmida próxima do litoral – as terras férteis do massapê, solo pesado, escuro e argiloso, preferido para a cana. Com chuvas abundantes e com cobertura vegetal oriundas da floresta tropical, elas integram a faixa de território da Mata Atlântica, denominado em Pernambuco de Zona da Mata.
Próximo à margem litorânea, o açúcar produzido em vilas como Pilar, cidade natal de José Lins do Rego, era típico de uma área verde e úmida, por onde passava o rio Paraíba, o principal da região. Este possuía a maior extensão de curso d'água do estado, 360 quilômetros. Tinha como fonte o alto da Serra de Jabitacá e, depois de longa travessia, desaguava no Oceano Atlântico.
O deslocamento do litoral em direção ao alto sertão paraibano propicia uma variação climática que compreende três zonas intermediárias entre os extremos litorâneo e sertanejo: o brejo, a caatinga-agreste e o sertão do cariri. À medida que se caminha para o oeste, depara-se com o escarpado planalto da Borborema. Em seu entorno, o brejo e a faixa semi-árida conhecida como caatinga-agreste alternam áreas cultiváveis e improdutivas.
Nas terras aptas ao plantio, as pequenas e médias propriedades se caracterizam pelo cultivo do algodão, pela policultura de cereais – feijão, milho e mandioca – e pela criação de pequenos animais (aves, suínos, caprinos e ovinos), além da comercialização de derivados do açúcar, como a rapadura e a aguardente. No sertão, cuja "porta de entrada" na Paraíba é a importante cidade de Campina Grande, as vastas extensões de terra eram ocupadas pelo gado, constituindo aquilo que o historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927) chamou de "civilização do couro".
Assim, um Nordeste agrário e outro pastoril se formaram com base no clima e na ecologia da região. Enquanto os engenhos estavam situados nas áreas originalmente florestais, à beira de rios como o Paraíba e o Mamanguape, as fazendas eram características das zonas secas da caatinga e do sertão. O açúcar, o algodão e a pecuária foram as suas principais fontes de riqueza.
As duas unidades fundamentais de domínio do solo nordestino – o engenho e fazenda – podem ser consideradas formas históricas de assentamento humano, com a formação de núcleos populacionais e com a exploração da terra e do homem por parte de algumas dezenas de famílias oligárquicas – dentre elas a de José Lins do Rego –, quer através das plantações canavieiras quer através do gado extensivo.
Edição Enrique Shiguematu
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