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GV CULT - Criatividade e Cultura

De uma crise a outra: O Princípio e o fim da Era Vargas

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09/02/2016 06h38

Por     Bernado Buarque de Holanda

 

Vargas - Educadorsdfjkhikas

 

 

Vivemos um ambiente de hipostasia da palavra "crise". Na economia como na política, em tudo se fala de crise. A recorrência é por vezes excessiva, sem o cuidado crítico no emprego do termo.  Relembremos hoje, pois, uma conjuntura política de efetiva crise política a que o país assistiu, no final de sua primeira experiência republicana, na virada dos anos 20 para os anos 30 do século passado. Na sequência, vamos fazer menção a outro período sobejamente crítico, que levou o representante máximo da nação ao suicídio – tal como José Manuel Balmaceda no Chile de fins do século XIX – e ameaçou a estabilidade institucional brasileira.

No contexto entreguerras de fins dos anos 1920, a superprodução cafeeira e a política de desvalorização do café acarretam uma crise econômico-financeira sem precedentes, na esteira da queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. Em meio ao curto-circuito do sistema de importações/exportações, surgem brechas no país para novos acordos e novas coalizões políticas, protagonizados pelas oligarquias que controlam o Estado desde o início da República.

Vale um recuo temporal para mostrar que a conjuntura proporciona a crise, mas esta teve um efeito retardado, tendo-se dilatado durante todo o decênio de 1920. Senão vejamos, com base em apenas alguns tópicos da cronologia:

– O paraibano Epitácio Pessoa passa o poder ao mineiro Artur Bernardes (1922-1926) que, empossado presidente da República, tem de governar sob estado de sítio, para amainar, entre outros, os revoltosos da Coluna Prestes.

– 1922: crise dos tenentes no Rio de Janeiro incensa tensão entre a alta e a baixa oficialidade do Exército, e acirra a clivagem nas disputas entre as oligarquias e as classes médias.

– 1923: estoura a Revolução Libertadora do Rio Grande do Sul, que é pacificada graças à ação do ministro da Guerra, o general Setembrino de Carvalho.

– 1924: rebelião tenentista em São Paulo, em favor da moralização do regime, da justiça e da representação política; rebeldes têm apoio da população paulistana, que protagoniza saques a lojas e estabelecimentos comerciais; insurretos paulistas se unem aos do Sul, formando uma marcha nacional.

Em culminância, num acúmulo de tensões no segundo lustro dos anos 1920, chegam as eleições de 1930. Com efeito, os paulistas desafiam a tradicional alternância do café-com-leite. Em tom de soberba, decidem permanecer no controle do governo central, quando a vez seria por suposto dos mineiros. O presidente Washington Luís, um paulista, indica o conterrâneo Júlio Prestes, como candidato à sua sucessão. Em mais uma eleição fraudulenta, Prestes sagra-se vitorioso.

Nesse ínterim, Minas Gerais passa para a oposição e alia-se ao Rio Grande do Sul e à Paraíba. Tenentes e revoltosos gaúchos, ligados a Borges de Medeiros, lançam a candidatura de Getúlio Dornelles Vargas, ministro da Fazenda de Washington Luís e presidente do estado do Rio Grande. No rearranjo de forças estaduais, a Paraíba consegue indicar o vice, João Pessoa. Em São Paulo, um efeito reverso da busca estadual por hegemonia faz-se sentir, com a criação do Partido Democrático, uma cizânia do Partido Republicano Paulista (PRP).

Os três Estados oposicionistas conformam a Aliança Liberal que, além das elites agrárias, também aglutina militares e setores das classes médias urbanas. O gaúcho Getúlio Vargas é escolhido para concorrer à presidência, ladeado pelo paraibano João Pessoa. A despeito da baixa representatividade no número de votantes, a campanha eleitoral, já com a presença da radiodifusão, mobiliza todo o país. Júlio Prestes é eleito presidente em 1º de março de 1930. Mas não chega a assumir o cargo. Em outubro, prorrompe a Revolução de 1930, que leva Getúlio Vargas à testa do poder.

Como se deslanchara a crise no processo sucessório? O paraibano João Pessoa, candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, é assassinado em 26 de julho de 1930. Pode-se dizer que o crime precipita a Revolução. No dia 3 de outubro, o movimento espoca em Porto Alegre, sob a liderança civil de Getúlio Vargas. O comando militar fica com o coronel Góis Monteiro, o mesmo que em 1922 e 1924 lutara contra o Tenentismo.

Os sublevados revolucionários dominam rapidamente o Rio Grande do Sul, Minas Gerais e o Nordeste. Já os legalistas, a contrapelo, tentam organizar a resistência em São Paulo, Bahia, Pará e Rio de Janeiro, sem resultados. Na madrugada de 24 de outubro, os chefes militares rebeldes intimam Washington Luís a deixar a Presidência. O cetro do poder é assumido por uma junta militar. Dez dias depois, em 3 de novembro de 1930, a mesma junta transfere o poder para Vargas.

Afinal, quem foi essa esfinge chamada Vargas?

Não faltam boas referências no plano das biografias. A mais fresca é a admirável trilogia do jornalista Lira Neto – biógrafo de mão cheia, autor também de obras sobre o Marechal Castelo Branco e o Padre Cícero. Não descuraria também consulta à primorosa obra "A Era Vargas", também em três tomos, do jornalista José Augusto Ribeiro (Casa Jorge Editorial, 2001). Recomendo igualmente o conciso, porém agudo perfil do historiador Boris – "Getúlio Vargas: o poder e o sorriso" (Companhia das Letras, 2006). Em adendo, vale ler "Pai dos pobres? O Brasil e a Era Vargas", do brasilianista Roberto M. Levine (Companhia das Letras, 2001)

Getúlio Dornelles Vargas (1883-1954) nasce em São Borja, Rio Grande do Sul, e tornar-se-ia um dos políticos e estadistas mais marcantes do século. Nos anos de formação regional, inicia carreira militar, mas a abandona em 1902. Leitor de Nietzsche, admirador das igrejas barrocas de Minas Gerais, ingressa na Faculdade de Direito, em Porto Alegre, e é eleito deputado estadual por três vezes, em 1909, 1913 e 1917. Integra a Câmara Federal de 1922 a 1926.

Em princípio dos anos 1920, procura de início conciliar o presidente eleito Artur Bernardes com o situacionismo gaúcho representado por Borges de Medeiros. Mas este, por sua vez, apoiara o candidato da oposição, o fluminense Nilo Peçanha. Assume o Ministério da Fazenda no governo Washington Luís de 1926 até 1928, ano em que se elege presidente do Rio Grande do Sul.

Candidato pela Aliança Liberal à Presidência, é derrotado. Sem aceitar a derrota, e movido pelo apelo retórico-moral de suspeição à lisura dos resultados do pleito, lidera a Revolução de 1930. Assume o poder e nele queda por 15 anos ininterruptos. Após vivenciar três fases na presidência – revolucionária, constitucional e ditatorial –, mudam-se os ventos da geopolítica internacional e sua permanência no poder torna-se insustentável: é derrubado pelos militares em outubro de 1945.

Em dezembro do mesmo ano, não obstante, elege-se senador por São Paulo e Rio Grande do Sul. Consegue ademais fazer seu sucessor, que fora seu Ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra. Em 1950, vence as eleições para a Presidência pelo PTB, no bojo dos ismos: queremismo, nacionalismo e trabalhismo.

Seu mandato é marcado pela flama nacionalista: cria a Petrobrás, nacionaliza a produção de energia elétrica, com a instituição da Eletrobrás, e dá vida ao BNDE, um dos pilares do desenvolvimentismo e do fomento do Estado à autonomia nacional.

Em contrapartida, sua gestão democrática é atribulada, com uma perseguição implacável da imprensa – à exceção de Samuel Wainer, toda ela é contra seu governo. O mandato é marcado também por uma inflação galopante, por escândalos administrativos, como os ocorridos no seio do Banco do Brasil, por atitudes drásticas – como a elevação de 100% no salário mínimo – e por uma acirrada oposição conservadora de civis e militares.

Em 24 de agosto de 1954, encurralado diante da opção de renunciar ou ser deposto, suicida-se com um tiro no peito. O gesto suicidário não apenas surpreendeu como comoveu a população. Esta, traída e condoída, desatou generalizadas revoltas populares pelas ruas das grandes cidades do país. Foi-se o presidente, foi-se a figura humana, mas manteve-se viva uma coalização política nacional-desenvolvimentista que, salvo breves interregnos, governaria o país por mais dez anos.

Para saber mais, sugiro a seguinte filmografia:

CAROLINA, Ana.  Getúlio Vargas (1974).  Rio de Janeiro: Globo Vídeo.

ESCOREL, Eduardo.  30 – tempo de revolução. São Paulo. DVD.

____. 32 – A guerra civil.

____.  35 – Assalto ao poder.

Edição      Enrique Shiguematu

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.