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GV CULT - Criatividade e Cultura

INMENSA: uma obra de Cildo Meireles

Ana Vidal

29/11/2015 07h00

Por      João Pedro MelloThiago Colombarolli

Cildo Meireles, Inmensa, aço, 400 x 810 x 445 cm, 1982 - 2002. Foto: Tibério França. Disponível em: https://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/inmensa/

Cildo Meireles, Inmensa, aço, 400 x 810 x 445 cm, 1982 – 2002. Foto: Tibério França. Disponível em: <www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/inmensa/>

Conhecido hoje como o maior museu a céu aberto da América Latina, o Centro de Arte Contemporânea Inhotim possui, além de um imenso acervo de arte, dezenas de hectares com uma coleção botânica que também se tornou referência mundial. Localizada em Brumadinho (MG), é uma organização sem fins lucrativos com cerca de 450 obras de artistas brasileiros e estrangeiros, com destaque para trabalhos de Cildo Meireles, Hélio Oititica, Yayoi Kusama, Tunga, entre outros.

Variando entre galerias e obras separadas, o complexo como um todo é de tirar o fôlego, seja pelo imenso acervo de arte contemporânea ou seja pela paisagem natural que o museu oferece. O espaço climatiza um ambiente bucólico e harmonioso nas relação homem-natureza, apreciando uma nova concepção de utilização de espaço natural sem agredir ou mitigar as formas naturais de relevo, vegetação, e leitos fluviométricos, distanciando-se das concepções usuais de museus.

É um fato que as concepcões usuais de instalações que abrigam obras de arte contemporânea não estabelecem em plenitude uma relação direta entre obra e espectador, resguardando dilemas relacionados a variedade de escalas das obras e aos diferentes tipos de espaços para a sua apresentação, o que, muitas vezes, obstrui o real sentido que a obra passa ao espectador.

O Tate Modern II, o Whitney Museum, o Metropolitan Museum of Art e o Museum of Modern Art, exemplificam estas concepcões usuais de instalações que abrigam obras de arte contemporânea, mas que, no entanto,  não estabelem  uma relação direta entre obra e espectador, passivel de se estabelecer, em plenitude, reflexão crítica.

A consequência é a pactualização implícita entre arte e individuo: o observador  e o observado, o que implica por extensão na dinâmica mercantil: o cliente e o produto.

O distanciamento entre obra e espectador faz decorrer brechuras para o que o critico Rodrigo Naves nomeia de avalanche teórica sobre o produto artístico: A saturação de justificações sobre a concepção final da arte contemporânea, sem, no entanto, se deixar incomodar sensivelmente pela própria experiência de se estar em contato com a obra. A teoria, em última análise, dificilmente abrange a obra em sua plenitude.

O distanciamento permitiu também que o sucesso comercial virasse o critério para determinar o que é boa arte, sem, no entanto, considerar a experiência sensorial subjetiva, além de permitir que o mercado de arte contemporânea se indunda por dinheiro e obras com preços exponenciais.

No caso de Inhotim, o espaço, por si só, desenvolve provocações para que se possa pensar, perceber, representar e ser questionado sobre as próprias concepções sociais do tempo presente, e assim, por um processo de autoconhecimento, quem sabe, transformar-se um pouco. Desta forma, os espectadores não são passivos a ponto de precisarem ser transformados em ativos, e, por outro, que as obras de arte não estão mortas a ponto de necessitarem que sejam reanimadas. A interface criada entre obra e espaço faz com que não se negue o espaço, e o utilize como ferramenta artística a fim de completar a composição arquitetônica da composição presando, por extensão, em se estabelecer um dialogo de harmonia na relação homem-natureza.

Durante a visita guiada, uma das primeiras obras vistas foi Inmensa (2002), de Cildo Meireles que proferiu profunda reflexão para a dupla. A obra figura-se no período em que o artista abandona a figuratização e abstração em suas esculturas e volta-se para o desenvolvimento de obras tridimensionais. Sendo uma adaptação de outra obra homônima, desenvolvida em 1982, o artista aumentou suas proporções, exacerbou sua relação com a natureza e a paisagem ao redor, mas também com o corpo humano, desenvolvendo uma experiência estética maior para o observador, dado que ele pode transitar pelo meio da obra, analisar seus detalhes de perto e etc.

Além disso, a referência do nome da obra, além da clara alusão à sua imensa proporção em relação a seus espectadores, também pode apresentar uma referência às formas exibidas na obra de mesas e cadeiras (In Mensa significa "na mesa", em latim). Essas, por serem referências a elementos do cotidiano, trazem uma certa interpretação para a obra como um todo.

Inmensa constitui uma estrutura feita de aço, com mais de 8m de altura, que remete aos preceitos do minimalismo devido a elementos como o monocromatismo, simetria, uso de formas geométricas, sobriedade e tridimensionalismo. Em sua estrutura, as partes menores acabam sustentando e equilibrando as maiores, trazendo reflexões mais profundas sobre uma estrutura relativamente simples. Além disso, Inmensa revela um grande exercício de lógica nas resoluções estéticas elencadas e aplicadas pelo artista em sua pesquisa visual. O número áureo, a simetria, o equilíbrio e proporção em suas bases de composições modulares, descriminam a grande influência construtivista e a limpeza formal da estrutura, que por sua vez não deixa esconder conteúdos intrínsecos ou sentidos outros, longe de ambiguidades.

Ademais, a maior ênfase no trabalho se torna a percepção. Em concepção de experiência ou atividade, a percepção ajuda a produzir a realidade descoberta. Assim, o trabalho, nessa perspectiva, se define como o resultado de relações entre espaço, tempo, luz e campo de visão do observador. Deste modo, todo o trabalho de criação que resulta no espaço da composição confunde o aspecto geométrico, lógico, racional da estrutura de aço com o plano da arquitetura espacial natural ao seu redor. Esta fusão entre razão e natureza, desse modo, enfatiza um sentimento de cumplicidade entre as áreas, colocando lado a lado a personificação do abstracionismo lógico-matemático, em manifestação neoconcreta, com a natureza por si só, o que resulta em sentimento de estranhamento em termos do próprio processo cognitivo de percepção humana, de forma que coabitam, no mesmo espaço, a comunicação das cores neutras da estrutura com o azul do céu e o marrom das vigas de sustentação.

A conflitualidade se torna justamente a própria apreciação da fusão entre paisagem e estrutura. Uma subordinada a outra dentro do espaço. Sua apropriação na composição abarca o todo do campo de visão do observador, de forma que o conjunto de percepção da obra se dá de forma subjetiva, aos olhos de cada pessoa. Deste modo, o espaço não se torna delimitado por uma moldura ou pelo limite atestado por uma parede branca, mas sim pelo próprio local e criatividade de observação da cada agente, e, neste sentido de compreensão da amplitude ilimitada da obra, a luminosidade exerce um papel de extrema importância.

Ao inserir dinamismo e animidade à obra, não tornando-a inerte, mas sim, transmutável entre períodos, acaba concebendo percepções distintas de uma mesma pessoa em períodos diferentes do dia. Em segundo ponto, vale ressaltar que a luminosidade percorre todas as arestas da estrutura, pertencendo ao plano natural e funcionando como correlação entre as estruturas humanas e as naturais. A luminosidade e a angulação do olhar são tidos como fatores essenciais para se abranger a obra e como forma de estabelecer uma visão única da mesma.

A engenhosidade na construção da obra pode transmitir uma sensação de estranhamento ao observador, dado que em uma primeira percepção, a obra passa a sensação de estar estruturada de ponta cabeça. Contudo, após alguns segundos, se atesta que não, a própria constituição da obra e a sua estrutura é concebida daquela maneira. Essa forma na qual ela é constituída, a partir de sustentações de bases frágeis que sustentam um todo muito maior do que as estruturas menores, causam um estranhamento, mas não no sentido de sua magnitude de oito metros de aço soerguido, como apresentado antes.

A altura, por si só, não causa um estranhamento com o sentido de se buscar a reflexão. A sua engenhosidade, no entanto é o que vale esse estranhamento, trazendo uma reflexão sobre a fragilidade da sua arquitetura, afinal em um primeiro encontro se reflete sobre como seria possível que pequenas estruturas estavam erguendo uma estrutura tão maior que suas bases, que até de certa forma, exerciam um peso extremamente maior sobre elas. A segunda percepção é que qualquer intervenção na obra seria passível de levar tudo abaixo, que também é refutada prontamente na descrição sobre a criação sobre a engenhosidade das estruturas que erguem a obra: a estrutura é desenvolvida por cálculos extremamente cautelosos e exigentes, que asseguram uma total rigidez para o todo. A estrutura é extremamente sólida, forte e estável.

Edição       Ana Vidal 

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.