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GV CULT - Criatividade e Cultura

“Entre os olhos, o Deserto” – O RETRATO DA VIDA COMO EFÊMERA E CONFLITANTE

Ana Vidal

28/11/2015 07h00

Por      Maria Lua Madrigal e Paola Balan Barroso

Miguel Rio Branco, Entre os olhos o deserto, 1997. Disponível em: https://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/entre-os-olhos-o-deserto/

Miguel Rio Branco, Entre os olhos o deserto, 1997. Disponível em: <www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/entre-os-olhos-o-deserto/>

         "Entre os Olhos, o Deserto" é uma instalação de Miguel Rio Branco, em que se justapõem 3 painéis com 400 imagens alternadas entre os dois extremos da fotografia: retratos e paisagens. Exposta pela primeira vez em 1997, na fronteira entre México e os Estados Unidos da América, a obra buscava retratar a alternância e o embate entre conceitos díspares, tanto pela divergência de tema nas suas fotos, quanto pelo seu recorte crítico a respeito da história dos dois países.

         Atualmente, a instalação é parte constituinte de uma exposição com outros três projetos do artista. A Galeria Miguel Rio Branco é uma das atrações de Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo. O parque de 140 hectares se situa em Brumadinho e conta com um incrível projeto arquitetônico e paisagista.

         Em meio a um parque de beleza estonteante e constantes choques estéticos, a obra se propõe a retratar a inconstância e as disparidades expressas em nossa sociedade. A fusão e a sobreposição – não só desejadas – como extremamente acentuadas e executadas com uma técnica de transição audiovisual impressionante, são essenciais para a construção de um ideário de efemeridade.

           Através de projeções intimistas de detalhes da vida e, consequentemente, da morte, Miguel Rio Branco proporciona um ambiente imersivo de extrema fragilidade e delicadeza. Explorando o híbrido entre o palpável e real, que está ali à frente, e o acesso à memória, a instalação se faz capaz de questionar o que é duradouro. A mistura das imagens com as experiências auditivas que se alternam entre a música de Erik Satie, "Gymnopédie N.1", músicas típicas ou simples fragmentos sonoros terminam de construir essa sinestesia completa e intensa.

          Outro detalhe da instalação que é de extrema relevância é o espaço interativo criado por Miguel Rio Branco. Em uma mistura de ambiente lúdico com poltronas de balanço estofadas com um acompanhamento sonoro de uma música agradável e calma e os materiais restantes da construção da própria galeria, o impacto sensorial é híbrido entre conforto e angústia. A sensação de não estar completamente relaxado em uma sala extremamente escura é muito bem trabalhada junto com os auges de sonoplastia mais agressiva que produzem, concomitante, aflição acerca da fragilidade do que é exposto e a noção de tempo como algo que passa. Dessa forma, após passar alguns minutos na sala, o público já sabe que o caráter aprazível será constantemente cessado e espera por isso. Tal dinâmica viciosa é, a nosso ver, ponto de maior destaque da obra. O artista foi extremamente exitoso em causar reflexão no seu público.

          A partir disto, é possível estabelecer um paralelo entre as contradições abordadas na obra de Miguel Rio Branco, em relação aos dois países norte americanos e à contradição que é atenuada no próprio parque. Localizado nas proximidades de uma cidade com população pequena e, majoritariamente, de baixo poder aquisitivo, Inhotim se destaca com o impacto de algo grandioso e, até mesmo, absurdo. Com o preço de ingresso que varia de 25 a 40 reais, dependendo do dia da semana, este surge como uma fronteira que acentua o quão restrito é o acesso à arte no Brasil em 2015.

            Por seu tamanho sobrenatural e pela magnitude de oposição entre a fortíssima presença da natureza e todos os seus agentes e a magnitude das galerias que, eventualmente, o visitante se depara com, o que se vê é um elo com o que é abordado por Miguel Rio Branco. A intervenção do homem que é bela e destrutiva, o contraponto da natureza e seu intrínseco questionamento sobre vida e morte e a própria consciência do quão restrito ao grande público o local é, provocam, ao mesmo tempo em que uma embriaguez pela beleza, um intenso e contínuo desconforto que acompanha o visitante pelo parque.

         O triunfo de Miguel Rio Branco em constantemente cruzar a linha tênue que separa prazer e pensamento em sua instalação é característica sinalizada por Luiz Camilo em seu texto "Arte Contemporânea Brasileira: Multiplicidade Poética e Inserção Internacional". Sendo assim, o escritor demarca a década de 1970 como o período em que floresce essa estética de obra heterogênea. Conceito que pode facilmente ser aplicado à instalação, mesmo que posterior. A confluência de diversos recursos de estimulação sensorial como as fotografias compondo um quadro audiovisual, a própria alternância sonora, o ambiente como um todo e os entulhos sobre os quais as fotos são projetadas são o caráter heterogêneo da obra.

       Além disto, o caráter de forte posicionamento geopolítico e engajamento em questões históricas vigentes à época é, segundo Luiz Camilo, característica típica do movimento artístico brasileiro de 1990. Este processo de criação de uma estética de 'repolitização' da arte, o autor define como a "experimentação de um novo tipo de engajamento – do atrito e do dissenso" (OSÓRIO, 2012, p.?) e é essencialmente o que vemos na obra de Miguel Rio Branco e em toda sua galeria.

          De tal forma, o autor se consagra como extremamente capaz de proporcionar uma experiência interativa que vai além do belo estético ou do agradável e gera, efetivamente, reflexão e questionamento. Ademais, é, também, estritamente qualificado, pois, apesar de fazer um recorte específico de um local em um momento na história, problematiza-os de maneira tal que possibilita a observação nítida de permanências e o estabelecimento de paralelos comparativos sobre questões de magnitude no presente. Sendo assim, a obra se consolida como transgressora, impactante e extremamente atual.

Edição       Ana Vidal 

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Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.