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GV CULT - Criatividade e Cultura

Galeria Miguel Rio Branco: uma interpretação para além das obras

Ana Vidal

27/11/2015 07h00

Por     Luiz Mazza e Thales Vieira

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Figura 1

Uma das galerias dispostas em Inhotim é a do artista plástico e fotógrafo Miguel Rio Branco. A galeria está instalada na confluência de duas vias, e para se chegar a esta há de se fazer um percurso por uma destas vias que é inclinada.  O Centro de Arte Contemporânea de Inhotim é muito bem arborizado, e, portanto, a galeria com seu estilo arrojado parece um navio desbravando a mata ao ser vista durante o percurso (vide figura 1) [1]. Muitas pessoas associam este fato ao artista por este desenvolver uma série de projetos que estão em constante mutação e intrigantes na sociedade. Portanto, ao analisar as obras de Rio Branco, podemos perceber que este está desbravando uma série de conceitos e padrões dispostos na sociedade.

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Podemos perceber tais padrões na galeria que se encontra no subsolo, onde se faz necessário passar por um percurso em um corredor cinza e estreito, que denota sensação de vazio e desprendimento do mundo (vide figura 2) [2], porém, quando se chega à parte em que as obras estão dispostas, o visitante pode sentir-se intrigante entre sua realidade e ao que ali está disposto, formando-se um choque de realidade.

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Figura 3

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Figura 4

Esta galeria que se encontra no subsolo, é, na verdade, uma sala em que na divisão de suas 4 paredes podemos perceber alguns quadros fotografados e emoldurados. De frente com cada parede, estão dispostos bancos para que o visitante possa doar seu tempo em troca de uma reflexão social perante o que ali está sendo apresentado. Na primeira parede, podemos encontrar uma série de quadros que representam a capoeira, que é um patrimônio cultural imaterial. Seguindo para a outra parede, podemos encontrar dois quadros que valem refletir sobre, que são a comparação de um ser humano com a imagem de um cachorro, ambos deitados em cada quadro. Na parede seguinte, podem-se observar diversos quadros que retratam mulheres e crianças, muitas destas nuas e com característica facial de dor e sofrimento. Já na última parede e não menos importante, podemos encontrar a representação da favela brasileira e de algumas características de nossa sociedade (vide figura 3 e 4)[3]  [4].

É importante se perguntar, portanto, qual a função da arte contemporânea na nossa realidade social? A arte é para ser entendida? Segundo o especialista em artes plásticas, Evandro Nicolau, orientador e educador do Museu de Artes Contemporâneas da USP – o MAC, para se entender a arte você deve estar aberto a reflexões e questionamentos e não buscar respostas concretas no que se observa. Para Evandro, a arte te lança em outra esfera mental à qual você está ligado durante o momento da visita, através desta, você terá sua mente em constante reflexão e questionamento perante o que está em sua frente, é importante, portanto, tal perspectiva para que se possa criar um raciocínio diferente do contexto em que vivemos [5]. Por diversas vezes a arte é crítica, e é através desta que devemos tentar entender o que está sendo criticado.

Figura 5

Figura 5

A exposição de Miguel Rio Branco pode-se relacionar à exposição Vizinhos Distantes, disposta no MAC. Ao mesmo tempo em que a exposição do museu paulista – MAC nos remete a reflexão de que estamos tão próximos de nossos vizinhos da América Latina, porém, tão distantes ao não conhecermos nada sobre, podemos relacionar a exposição disposta em Inhotim, na galeria de Rio Branco, pois muitas pessoas ao se depararem com o que ali está disposto, encontram uma realidade diferente da sua própria e, acabam por refletir sobre um mundo que está ao seu lado mas não percebe durante os convívios diários, visto que a maioria das pessoas que ali passam tem condições favoráveis a não conhecerem tal realidade (vide figura 5) [6].

Por diversas vezes, a sociedade brasileira está presa no mundo do delivery, destacado por Bauman, pois muitas pessoas esperam receber coisas prontas e instantâneas em menos de minutos. Desta forma, muitas pessoas ao entrarem em um museu não compreendem o que está querendo ser transmitido, esperando que ao entrar em determinado local se confrontará com uma realidade já pronta. Pelo contrário, segundo a orientadora e educadora de Inhotim, a arte só é entendida de forma múltipla e plural, ou seja, cada pessoa terá uma visão e interpretação diferente da arte de acordo com sua realidade e ao que já vivenciou [7], assim como também diz Rodrigo Naves, que a arte existe em cada um[8].

O centro de Salvador, em boa medida, serviu e ainda serve como fonte de inspiração para diversos artistas. Jorge Amado, em Quincas Berro d'Água, relatou com demasiada peculiaridade a intensa vida mundana da região central da capital baiana. O personagem principal, Joaquim Soares da Cunha, abdicou de uma rotina marcada por um papel social bem definido (chefe de família tradicional) para viver em meio à prostituição vigente nas entranhas da cidade histórica. A região atravessou um severo processo de decadência no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, levando à ocupação informal de seus prédios e as degradações das construções antigas. Desta forma, o local acabou tornando-se um atrativo àqueles que vivam à margem da sociedade.

Por este motivo, o romance aborda momentos de felicidade, tristeza e violência que marcaram a região e aqueles que nela viviam, com uma boa dose de ironia e comédia, acrescentado de momentos que evidenciavam a escória humana. No mesmo sentido, o artista contemporâneo Miguel de Rio Branco realizou um trabalho composto por 34 imagens de forma muito parecida com a de Jorge Amado, já que o conjunto imagético também abordam a beleza , a escória e o erotismo em meio à ruína. A disposição das imagens no Museu de Arte Contemporânea de Inhotim-MG, fotografadas por Rio Branco, bem como sua proximidade com a cena capturada , nos revelam certa intimidade do artista com o momento, mesma sensação transmitidas pelas obras de Debret enquanto esteve no Brasil.

Ao realizar seu conjunto de obras, Miguel de Rio Branco mostrou-se, mais uma vez, um verdadeiro artista. Verdadeiro no sentido de que, como costuma dizer um excelente professor de Literatura do colégio SEB COC- RP, o artista real é aquele que prevê, aquele que possui uma espécie de antena parabólica natural  capaz de capturar com antecedência os anseios de um futuro não muito distante. Ao focalizar suas obras em personagens que se encontravam à margem de tudo, inclusive da arte, Miguel foi artista e inovou.

A prova de sua perspicácia e inovação viriam anos depois com a descentralização dos centros artísticos do país. Luis Camilo, em seu texto Arte Contemporânea Brasileira[9], presente no livro de André Botelho e Lilia Schwartz, evidenciou a saudável articulação artística entre as regiões nacionais que ocorrera recentemente. Ao sair dos grandes centros da região sul-sudeste e atingir estados de outras regiões, como por exemplo, Minas Gerais e Pernambuco, a Arte Contemporânea contribuiu para o intercâmbio entre as particularidades regionais do Brasil, fomentando diversos tipos culturais. Assim, percebemos que a vanguarda de Rio Branco em descentralizar o foco artístico e retratar pessoas marginalizadas, distantes dos padrões de beleza convencionais, repercutiria em boa parte de estrutura artística nacional, uma vez que , assim como Miguel, a Arte Brasileira estaria quebrando um paradigma persistente. Em suma, é evidente que o processo de descentralização não só dos meios artísticos, mas também sobre de quem se faz arte, está em um processo de consolidação a pleno galope. É importante notar que a iniciativa de vanguarda adveio de um verdadeiro artista, evidenciando, portanto, a importância do deste em qualquer projeto social plausível, seja no âmbito cultural ou não.

Outro ponto importante a destacar é sobre o acesso a arte. É perceptível, ao visitar Inhotim, que os visitantes do museu são em sua maioria de elite, visto que o museu está instalado no meio de Minas Gerais (vide figura 6),  ocasionando a dificuldade de acesso e a necessidade de se hospedar em um hotel e/ou pagar caro por transporte até o local. O escritor de A Forma Difícil, Rodrigo Naves, destaca o ponto de que a arte não é elitista, mas sim o acesso a esta, que se diz muito a respeito de Inhotim. Outro ponto por este citado é que a arte está ligada as elites, mas não necessariamente é para esta, como a galeria de Rio Branco, que abrange temas universais para todas classes sociais.

Edição       Ana Vidal 

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Referências bibliográficas (pelos próprios autores)

[1] Disponível em: http://flickriver-lb-1710691658.us-east-1.elb.amazonaws.com/photos/manuelsa/

[2] Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/01-7103/galeria-miguel-rio-branco-%E2%80%93-inhotim-arquitetos-associados/foto5

[3] Disponível em: http://www.archdaily.com.br/br/01-7103/galeria-miguel-rio-branco-%E2%80%93-inhotim-arquitetos-associados/foto8

[4] Disponível em: http://www.touchofclass.com.br/_main/exposicoes/inhotim/inhotim.html

[5] Relato do especialista em visita ao Museu de Arte contemporânea da USP

[6] Disponível em: http://itdandy.com.br/diario-virtual-it-dandy-hena-lee-inhotim/

[7] Relato da especialista na visita de Inhotim

[8] Relato do autor em visita à FGV – EAESP

[9] Livro Sociedade Brasileira em Transformação, Companhia das Letras de André Botelho e Lilia Schwartz

Sobre o editor

Guilherme Mazzeo é coordenador institucional do GvCult, graduando em Administração Pública pela FGV-EAESP. Um paulista criado em Salvador, um ser humano que acredita na cultura e na arte como a direção e o sentido para tudo e para todos. A arte é a mais bela expressão de um ser humano, é a natureza viva das coisas, a melhor tradução de tudo. Só a cultura soluciona de maneira sabia e inteligente tudo, a cultura é a chave para um mundo melhor, mais justo, livre e próspero! Devemos enaltecer e viver nossas culturas de forma que sejamos protagonistas, numa sociedade invasiva e carente de: vida, justiça, alegria e força.

Sobre o Blog

O GV Cult – Núcleo de Criatividade e Cultura da FGV desenvolve atividades de criação, fruição, gerenciamento, produção e execução de projetos culturais e de exercícios em criatividade.