Interestelar: Um 2001 Iluminista
Por Vítor Steinberg.
E a história de que, em certos cinemas americanos, você pode assistir infinitamente "Interestelar" (2014, Christopher Nolan) até entender o filme? O espectador pode manter-se sentado e testemunhar todas as sessões do filme até sentir-se intelectualmente satisfeito: ter decifrado o enredo. Para muitos é mesmo um labirinto existencial inexplicável e extremamente difícil a nova charada psicológica do diretor. Cabeção… Existe filme acéfalo, mas às vezes, nada mais que "cabeça".
Nolan se preocupa com o tempo como física e tema de seus filmes (todos), mas não se preocupa com o tempo de seus filmes. 3 horas de glossário científico (fora a tagarelice típica e mais nauseabunda do que entrar num buraco negro) é dose. Mas creio que é por aí o lance – ele se inquieta demais em ilustrar a fantasia.
Se depois de um buraco negro não sabemos o que virá, como mostrá-lo e explicá-lo? Mesmo se você tiver ao seu alcance os efeitos especiais mais caros e uma equipe fodástica… É feio revelar o mistério das coisas. É mentira. Nada científico… mas daí temos que engolir Nolan segurando na corda do amor, como se fosse um fenômeno físico polidimensional – entre as dobras quânticas e as dobras da relatividade.
Em "2001 – Uma Odisseia no Espaço" (Stanley Kubrick), quando o homem se perde completamente no escuro do espaço, ele encontra uma sala, um banheiro, a si mesmo, seu feto. Uma sala de azulejos. No Interestelar, também "voltamos para casa", agora atrás das estantes de livros. Quando o astronauta chega em casa no meio do infinito, parece que surge uma empolgação científica tão excitante que ele até monopoliza a dobra do tempo em outra dimensão. Mas explica demais! Tanto ele quanto a filha ficam papagueando em planos paralelos einsensteinianos…. isso não causa espanto e mistério.
Acho que, hoje, tudo caminha legendado demais. Você bebe e fica bêbado e sai falando, bêbado, para todo mundo: "desculpe, mas estou bêbado!" Não precisa de legenda, todo mundo já sabe que você está bêbado. É horrível justificar-se aos outros sem motivo e muito pior desculpar-se. Idealize se o universo viesse pedir desculpas para nós. Iríamos rir.
20o1 não legenda nada, deixa você de fato no vácuo. A música de Richard Strauss é inspirada no livro de Nietzsche, ou seja, no verdadeiro infinito vazio, onde não há absolutamente nada que explique. Não adianta enxertar palavras onde nada mais é ouvido. O cinema tem que tomar cuidado com filmes sobre o espaço sideral. Os diretores hollywoodianos querem entreter e enlouquecer ao mesmo tempo, me parece algo mini esquizofrênico. O niilismo de Nietzsche não é didático. A música de Hans Zimmer imita as notas do órgão de Strauss…
Compreendo que Nolan afasta "corpo e espírito" demais. Difícil ver a Anne Hathaway no espaço durante dois anos e não haver um princípio de tesão dentro das roupas de astronauta. Acho que Nolan sente o corpo como um exoesqueleto somente instrumental, prático, funcional – o exoesqueleto dos seus "Batman" também. Dentro das nossas redomas físicas somos uma alma científica em busca de luz. É um modo racional, cartesiano – ou seja – iluminista – científico demais de ver o mundo. Terrence Mallick cumpre esse papel igualmente.
Acho que os artistas norte-americanos atualmente estão bitolados demais na ciência.
Edição: Samy Dana e Octavio Augusto de Barros.
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